quinta-feira, 31 de maio de 2012

CISCOS DIÁRIOS - 31 DE MAIO DE 2012

Não há chuva que resista às tonterias das palavras rotas. Abro o guarda-chuva e descubro que o Sol é a resistência da noite. Fecho o guarda-chuva e abandono os meus cabelos às gotas da chuva que, embora sejam de água tépida, são pérolas que eu roubo aos descaramentos das nuvens que me perfumam com a linguagem do descrédito. Nesta vida de presunções coloridas, o importante não é a rosa, mas sim as pétalas que a adornam com a placidez do tempo esculpido pelas diatribes das bocas circunspectas. Molhado pela sopa do dia, aprendo, na rigidez muscular dos eventos, a prescrever, a mim próprio, os delírios de nada saber sobre os rigores das tempestades que danam e as bonanças que espumam as raivas adormecidas dos guizos que tilintam nos idílios campestres da levitação prematura. De que falo? De que escrevo? Eis um hábito que nem o monge veste. O tecido é tenebroso e quem o habita abomina os caprichos da natureza humana. São padrões de falácias que se ouvem pelos cantos da boca e que nidificam nas falésias do abstracto, quando, não mesmo, do absurdo. E por falar, em absurdo, eis-me perante a radiosa perspectiva de estes ciscos apresentarem no palco da altivez, as cenas absurdas de nada serem. Ipso facto.   
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 31 de Maio de 2012, na Biblioteca Nacional, às 17H58.
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 31 de Maio de 2012, às 17H59, e, concluído, às 18H26 do dia 31 de Maio de 2012.

AFLUENTES POEMÁTICOS - XIX - ATIRADIÇA

DESCONHEÇO AS SANDÁLIAS DA POSSE
E O AMOR SEM SEDUÇÃO
QUE NAS RODAS DA SOLIDÃO
É UMA GARGANTA QUE TOSSE
NÃO POR SER IRRITADIÇO,
MAS PORQUE A ASMA DO OLHAR
É UMA AMANTE QUE DÁ SUMIÇO
AO PRAZER DE DESNUDAR.
RECONHEÇO NO DOM DA POSE
AS PARCELAS DA INVENÇÃO
QUE ADORNAM O QUE SE COSE
NO FEITIÇO DO CORAÇÃO,
EMBORA O ÍMAN DA FRESTA
NOS BANQUETES DO TACTO
SEJA O ALGOZ QUE RESTA
À NATUREZA DO FACTO.
E POR MUITO QUE A MARÉ TORÇA
O TÉDIO DO VIL ROMANCE
HÁ SEMPRE A CLARA FORÇA
QUE IMPEDE QUE ELE AVANCE
OU PORQUE O SEU CAROÇO
É UM BALOIÇO SEM PAUSA,
OU PORQUE O SEU PESCOÇO
NÃO TEM REGRAS, NEM CAUSA.
E EIS QUE O TEMPO AVANÇA
E A NOITE SE ESGANIÇA 
NESTE POEMA SEM BONANÇA,
MAS DE TEZ ATIRADIÇA.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 31 de Maio de 2012, às 17H11, na Biblioteca Nacional.
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 31 de Maio de 2012, às 17H12, e, concluído, às 17H46 do dia 31 de Maio de 2012.

SUORES FICCIONISTAS - II - A BORBOLETA

Saí do Metro, na Estação do Rato. Segui, lentamente, pela Rua da Escola Politécnica. Por razão desconhecida, a não ser a da velhice precoce, senti-me cansado. Ao chegar ao Jardim do Prícipe Real, sentei-me em um dos seus bancos, bem próximo do velho e moribundo cipestre. Os olhos fugiam-me dos pensamentos e alugavam a sua vista aos prazeres remotos de uma distância invisível. Tudo observava, nada absorvia. Um encanto inesperado sacudiu-me a moleza. Uma borboleta de cores infinitas vercejava, à minha volta, poemas de beleza singular. Subitamente, ausentei-me para o interior do bailado que a borboleta tecia em vistosos círculos. A borboleta acariciou-me o olhar e pediu-me com uma voz encantantória que a levasse comigo. Que escolhesse onde, disse-lhe eu, embaraçado por desconhecer o que pretendia aquela beleza da natureza. Que abrisse a minha mão e a deixasse pousar nela. Estendi a mão aberta, ela pousou, suavemente, e pediu-me que a escondesse no bolso interior do meu blusão. Vais sofucar, disse-lhe eu, receoso. Disse-me que não me preocupasse porque as suas cores eram bolsas de ar. Como, entretanto, entardecera, levantei-me e, com passos rápidos, nem eu sabia porquê, desci a Rua do Alecrim, cheguei ao Cais do Sodré e apanhei o primeiro comboio que me levou para casa. Durante todo percurso, uma miríade de melopeias esconderam-se nos meus ouvidos, avivaram memórias de um futuro sem passado. Mal cheguei a casa, a borboleta abandonou o meu bolso, pediu-me que a afagasse e a colocasse na minha mesinha de cabeceira. Que fosse dormir, disse-me ela. Deitei-me e não tardei a adormecer. Sonhos de lugares e de pessoas de uma beleza estonteante passearam-se, sorridentes, pelos corredores de uma morte inofensiva, até que senti a borboleta abandonar o meu corpo, em um voo elegante e singular, que me acordou do sono profundo em que mergulhara. Para meu grande espanto, todo o quarto estava sob a intensidade de uma luz espantosa. No meio do quarto encontrava-se uma bela mulher que trajava um vestido comprido, luzindo como oiro, os cabelos longos, brilhando como raios de sol e uns olhos claros e límpidos como água. Belas lágrimas escorriam-lhe pelo rosto.
- Não te preocupes, são lágrimas de felicidade. Eu venho de um tempo em que não há tempo. Eu e outros, como eu, somos o orvalho do Universo. Quando a madrugada te acordar, em borboleta me encontrarás. Abre a janela que eu partirei a caminho de um outro qualquer destino. Quando chegar o tempo de partires em teu regaço me aninharei e mil e uma canções te cantarei. Agora é chegado o tempo de voltares a dormir. Mal a madrugada chegou, levantei-me e abri a janela. A borboleta levantou voo, bailou à volta de mim e esfumou-se na névoa da manhâ. Nunca mais voltei a ser o mesmo. Os meus olhos são borboletas de sonhos sedutores.              
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 31 de Maio de 2012, no Comboio da Linha do Estoril, às 11H40.
Escrito, directamente, no blogue, na Bilbioteca Nacional, no dia 31 de Maio de 2012, às 15H23, e, concluído, às 16H34 do dia 31 de Maio de 2012.

FISGADAS POLÍTICAS - VII - DEMISSÃO

A Política não é uma subjectividade eleita pela bondade dos eleitores, nem o Político é uma identidade anónima no seio da área governamental. Um cargo político, seja ele qual for, é um enunciado de responsabilidades, ao qual não se pode fugir, nem que seja para mendigar que a justiça política se abstenha de intervir logo que haja uma evidência de terem ocorrido erros factuais para os quais não há justificação possível. Não se pode afirmar, em política, que se assinam decretos-lei desconhecendo o seu conteúdo. Não se pode decretar inocência, quando factos, comprovados ou não, atingem, directamente, o responsável máximo da área governamental a que eles dizem respeito. Neste caso, há uma medida que se impõe de imediato: a demissão. Contrariamente ao que o visado pensará, não se trata de uma prova de culpabilidade, mas de assumir a posição correcta de se afastar de uma infecção que se instalou, propagou e o resposabiliza, ainda que, indirectamente, pelos factos ocorridos sob a jurisdicção da sua área governativa. O ar está poluído, há que o tornar respirável. A demissão, em política, é um acto responsável perante factos de natureza irresponsável.      
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 31 de Maio de 2012, na Biblioteca Nacional, às 14H18.
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 31 de Maio de 2012, às 14H19, e, concluído, às 14H59 do dia 31 de Maio de 2012.

ZIPS SONOROS - VI - 23 SKIDOO

Uma das bandas que mais me entusiasmou, nos inícios da década de 80, foram os 23 Skidoo que retiraram o seu nome do livro "Book of Lies" de Aleister Crowley.A banda formou-se, em 1979, na cidade inglesa de Londres, por J.C.M.(Johnny) Turbull, A.U.(Alex Turnbull) e Fritz Haaman. Depois de um primeiro 7" "Ethics", muito incipiente, aderiram, sonoramente, aos chamados sons industriais, embora prefira conotá-los com os sons das selvas urbanas, onde se encontram mixagens de sons africanos, indonésios e industriais. O grupo que foi, muitas vezes, comparasdo aos Cabaret Voltaire e aos Throbbing Gristle, sofreram, igualmente, influências dos This Heat e dos A Certain Ratio. Ao assinarem pela editora independente Fetish, beneficiaram do prazer de verem as suas capas discográficas serem tratadas graficamente por Neville Brody.Para se perceber melhor a sonoridade dos 23 Skidoo, aterro numa das suas actuações na WOMAD, em Julho de 1982, a propósito da qual Alex Turbull afirmou "em vez de optarmos pela World Music, usámos ruídos urbanos, latas de gás e explosões. Foi uma barreira de ruídos. Um terço da assistência fugiu imediatamente, mas o que resolveram permanecer, expressaram-se com um "Wow, foi completamente surpreendente."Da discografia dos 23 Skidoo aconselho, vivamente, o 12" "Last Words" e o mini LP "Seven Songs".DISCOGRAFIA:Pineaple:Julho de 1981 - 7" - Ethics/Another Baby´s FaceFetish:Setembro de 1981 - 7" - Last Words/VersionOutubro de 1981 - 12" - The Gospel Comes To New Guinea/Last WordsFevereiro de 1982 - mini LP - Seven SongsMaio de 1982 - 12" - Tearing Up The Plans/Just Like Everybody GregoukaOperation Twilight:Fevereiro de 1982 - LP - The Culling Is ComingEmbora tenham gravado mais alguns 7" e um LP "Urban Gamelan", os 23 Skidoo, em minha opinião, já haviam perdido a sonoridade capilar que mais me deliciava.Fontes: "Rip It Up and Start Again" de Simon Reynolds e "The Great Alternative Indie Discography" de Martin C. Strong.Cascais, 04/12/2009 - Jorge Brasil Mesquita. Jorge Manuel Brasil Mesquita Recriado, em 31 de Maio de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H51.

CRITICARTE - VII - DANTE

No início do século XIII, a cidade italiana de Florença era considerada a cidade mais florescente do centro da Itália, apoiada na manufatura de tecidos, no comércio da lã e dos cereais, além dos negócios financeiros, especialmente importantes devido aos empréstimos concedidos à cúria pontifícia. Em 1252, com o aparecimento do florim, moeda em ouro, constituiu-se uma etapa decisiva da história económica europeia.A partir de 1216, a aristrocacia florentina dividiu-se em duas facções que se opunham uma à outra: os Gibelinos que apoiavam o Imperador Frederico II e os Guelfos que apoiavam o Papa. De 1260 a 1266, o Podestá(autoridade suprema da cidade) e os conselhos foram dominados pelos Gibelinos que se apoiavam em Manfredo, rei da Sicília e filho de Frederico II.Em 1266, os Guelfos derrotaram os Gibelinos, em Benevento, onde Manfredo é morto e passaram a controlar a cidade com o apoio dos franceses de Carlos d Ánjou que foi nomeado Podestá de Florença por um período de sete anos.Em 1289, os Guelfos dividiram-se em duas facções: os "negros"(conservadores) e os "brancos"(comerciantes e banqueiros). Em 1301, a facção dos "negros" passou a controlar os destinos da cidade de Florença.Dante Aligheri nasceu na cidade de Florença, em 1265, no seio de uma família de Guelfos. Em 1288, participou como soldado de cavalaria, em Capaldino, contra Antrinos e Gibelinos Toscanos. Dante apoiante da facção dos "brancos" foi obrigado a exilar-se, em 1301, ano em que a facção dos "negros" ascenderam ao poder. Dante nunca mais regressou a Florença e veio a falecer na cidade de Ravena, em 1321.Literariamente, Dante cultivou o lirismo e a epopeia e transformou a história do homem numa aventura espiritual à luz da revolução cristã, enquanto a poesia condensa o pensamento científico, filosófico e teólogo da Idade Média.Das obras de Dante fazem parte a "Vita Nuova" que é, acima de tudo, um relato poético do amor da sua juventude, Beatriz; o "Convívio" que é composto por três canções e os seus respectivos comentários, complementados por um capítulo de introdução. É, essencialmente, o resultado dos seus estudos filosóficos; "De Monarchia" é um tratado onde Dante expõe problemas políticos, sob um ponto de vista teórico. O tratado está dividido em três livros; finalmente, a obra prima de Dante "A Divina Comédia" que é um poema estruturado em três partes - o Inferno, o Purgatório e o Paraíso - com um total de 33 Cantos.o Inferno, a primeira parte, é um abismo em forma de funil, composto por nove círculos que se vão estreitando até acabarem no centro da Terra, lugar do apoio do vértice, onde Lúcifer habita.Canto Sexto - Terceiro Círculo do Inferno:"Cérbero, fera cruel e monstruosaCom três goelas ladra como um cãoSobre a gente que ali jaz submersa Ele tem olhos avermelhados, a barba engorduradaE o ventre enormeE as patas com unhas arranha, esfola e esquartejaO espírito dos gulosos!A chuva fá-los uivar como cães: ao voltar um Lado do corpo dão alívio ao outro lado; por issoSe revezam muitas vezes os mísero réprobos.O Purgatório, a segunda parte, é o oposto do Inferno. Banhado por praias e rodeado por um vale, é na verdade uma montanha em cujo cume se encontra o Paraíso.Canto XV - Terceiro Círculo"O meu guia que me podia verAgir como um homem que desperta do sonoDisse: "que tens que não te podes ter de péE percorreste uma boa extensão do caminhoCom os olhos fechados e as pernas vacilantesComo um homem vencido pelo vinho ou pelo sono?"Ó meu doce pai, se queres escutar-medir-te-ei o que me apareceu quando meFoi tirado o livre uso das pernas."O Paraíso, terceira e última parte, a que Dante e Beatriz ascendem através de uma esfera de fogo, do Paraíso terrestre ao Celestial, entrando nos diversos céus. O paraíso encontra-se divido em dez círculos que coincidem com as esferas astronómicas e metafísicas.Canto XX:"Quando aquele que tudo iluminajá desce do nosso hemisférioE a luz do dia por toda a parte terminaO céu que dele só há pouco se aclaravaSubitamente aparece luminosoPor muitas luzes que reflictam a sua;E este fenómeno do céu que vem à menteQuando a insígnia do mundo e dos imperadoresNão movem mais o bico a falar""A Divina Comédia", sendo uma obra alegórica, radica a sua originalidade na ordenação, na estruturação que objectiva uma ideia determinada e orientada, respeitando a ideologia da sua época.Biblioteca de Oeiras, 05/06/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita - 16H10. Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 31 de Maio de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H40.

MEMÓRIAS SONORAS - IV - PAVLOV´S DOG

Quem se recorda, ainda hoje, de uma banda com o nome de Pavlov´s Dog?. Acredito que restem muito poucos. A banda formou-se em St. Louis, no estado norte-americano do Missouri, em 1973, composta por David Surkamp, Doug Rayburn, David Hamilton, Steve Scorfina e Siegfried Carver, formação que gravou o LP "Pampered Menial" que se tornou, ao longo de todos estes anos, alvo de algum culto. Totalmente composto por temas originais e, revelando, na época em que foi editado, algumas marcas de inovação sonora, o grupo vivia muito à custa do vigor vocal e corporal de David Surkamp, a quem um dos seus poucos seguidores classificou como "um menino de coro em alta velocidade." Além deste LP, os Pavlov´s Dog gravaram, unicamente, um outro, entitulado "At The Sound Of The Bell", em 1976.Provavelmente, a maior importância deste grupo, reside no seu nome que é uma homenagem ao fisiologista russo, Ivan Pavlov (1849 - 1936), prémio Nobel de 1904, que teve o mérito de conceber e desenvolver a reflexologia, estudo do condicionamento dos reflexos, pela qual se pode explicar toda a vida elementar, utilizando cães para executar as suas experiências que lhe permitiram alcançar as conclusões a que chegou. Pavlov encontra-se na origem do parto sem dor, segundo o método "pericoprepilático". A Educação, a Religião, a Propaganda e a Publicidade, fundamentam-se no mecanismo dos reflexos condicionados."A Psicologia apresenta-se-me, nas suas investigações, tal como um homem que caminha na obscuridade, empunhando uma pequena lanterna que apenas ilumina zonas muito pequenas. Compreendereis que com tal lanterna é difícil explorar toda a região. "Tudo são trevas na alma do próximo", proclama o provérbio. As novas investigações objectivas sobre os fenómenos nervosos complexos dos animais superiores permitem, ao invés, a firme esperança do próximo descobrimento, pelos fisiologistas das leis fundamentais que a espantosa complexidade desse mundo interior oculta, tal como se nos revela actualmente."Como é evidente, este texto apenas se preocupou com uma analogia entre o nome de uma banda musical e o investigador das origens dos estudos que levaram à interpretação dos reflexos condicionados, Ivan Pavlov.Fontes: "A Psicologia" de Denis Huisman e excertos de "Les Reflexes Conditionnels" de Ivan Pavlov.Cinemateca, 02/12/2009 - Jorge Brasil Mesquita. Jorge Manuel Brasil Mesquita. Recriado, em 31 de Maio de 2012, às 13H31, na Biblioteca Nacional.