quinta-feira, 31 de maio de 2012

SUORES FICCIONISTAS - II - A BORBOLETA

Saí do Metro, na Estação do Rato. Segui, lentamente, pela Rua da Escola Politécnica. Por razão desconhecida, a não ser a da velhice precoce, senti-me cansado. Ao chegar ao Jardim do Prícipe Real, sentei-me em um dos seus bancos, bem próximo do velho e moribundo cipestre. Os olhos fugiam-me dos pensamentos e alugavam a sua vista aos prazeres remotos de uma distância invisível. Tudo observava, nada absorvia. Um encanto inesperado sacudiu-me a moleza. Uma borboleta de cores infinitas vercejava, à minha volta, poemas de beleza singular. Subitamente, ausentei-me para o interior do bailado que a borboleta tecia em vistosos círculos. A borboleta acariciou-me o olhar e pediu-me com uma voz encantantória que a levasse comigo. Que escolhesse onde, disse-lhe eu, embaraçado por desconhecer o que pretendia aquela beleza da natureza. Que abrisse a minha mão e a deixasse pousar nela. Estendi a mão aberta, ela pousou, suavemente, e pediu-me que a escondesse no bolso interior do meu blusão. Vais sofucar, disse-lhe eu, receoso. Disse-me que não me preocupasse porque as suas cores eram bolsas de ar. Como, entretanto, entardecera, levantei-me e, com passos rápidos, nem eu sabia porquê, desci a Rua do Alecrim, cheguei ao Cais do Sodré e apanhei o primeiro comboio que me levou para casa. Durante todo percurso, uma miríade de melopeias esconderam-se nos meus ouvidos, avivaram memórias de um futuro sem passado. Mal cheguei a casa, a borboleta abandonou o meu bolso, pediu-me que a afagasse e a colocasse na minha mesinha de cabeceira. Que fosse dormir, disse-me ela. Deitei-me e não tardei a adormecer. Sonhos de lugares e de pessoas de uma beleza estonteante passearam-se, sorridentes, pelos corredores de uma morte inofensiva, até que senti a borboleta abandonar o meu corpo, em um voo elegante e singular, que me acordou do sono profundo em que mergulhara. Para meu grande espanto, todo o quarto estava sob a intensidade de uma luz espantosa. No meio do quarto encontrava-se uma bela mulher que trajava um vestido comprido, luzindo como oiro, os cabelos longos, brilhando como raios de sol e uns olhos claros e límpidos como água. Belas lágrimas escorriam-lhe pelo rosto.
- Não te preocupes, são lágrimas de felicidade. Eu venho de um tempo em que não há tempo. Eu e outros, como eu, somos o orvalho do Universo. Quando a madrugada te acordar, em borboleta me encontrarás. Abre a janela que eu partirei a caminho de um outro qualquer destino. Quando chegar o tempo de partires em teu regaço me aninharei e mil e uma canções te cantarei. Agora é chegado o tempo de voltares a dormir. Mal a madrugada chegou, levantei-me e abri a janela. A borboleta levantou voo, bailou à volta de mim e esfumou-se na névoa da manhâ. Nunca mais voltei a ser o mesmo. Os meus olhos são borboletas de sonhos sedutores.              
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 31 de Maio de 2012, no Comboio da Linha do Estoril, às 11H40.
Escrito, directamente, no blogue, na Bilbioteca Nacional, no dia 31 de Maio de 2012, às 15H23, e, concluído, às 16H34 do dia 31 de Maio de 2012.

2 comentários:

  1. prosa poética..linda..intuitiva e estonteantemente sedutora.Parabéns!

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  2. Saudações cordiais, Giselle. Obrigado pela visita e pelo comentário que seduziu.

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