terça-feira, 29 de janeiro de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXVII - QUE MORTE SE ESPANTARÁ?

Que vida é esta que arquivo na minha memória
como se ela fosse um besouro
que se ouve na estridência do hálito urbano?
Recordo o que não vejo
e esqueço o que sinto
na virulência deste pedaço de carne humana
como se fosse um grito de silêncio
ou um eco de porcelana
no hábito de uma fome ancestral.
A resistência ao acto de sangrar palavras
é esta cinza que me respira todo
é esta sombra nocturna
que vagueia elástica
entre o fogo que a astúcia consome
e o gelo que a definha
para além de todos os mistérios
que a janela aberta do tempo
segreda
como se fossem o isco dos pensamentos
que em vagas de sangue sensível
rasgam a plasticina do passo frágil
e modelam o riso vital das noites inesperadas.
Acordo por dentro
desfaleço por fora
e seguro do abraço quotidiano
piso a rota diária da fábula serena.
Que morte se espantará com a lava edílica do meu fermento? 
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 29 de Janeiro de 2013, entre as 16H19 e as 16H50

1980 - "MR.CLARINET" - BIRTHDAY PARTY

Nick Cave é, nos tempos que correm, um dos apóstolos mais gratificantes da música popular. Interessante é reviver, por momentos, o seu passado sonoro. Esqueçamos os Boys Next Door e naveguemos nas águas profundas dos Birthday Party que se revelaram um dos grupos mais originais da década de oitenta. Esta memória curta, debruça-se sobre um dos seus primeiros 7", para a 4AD. Trata-se de "Mr.Clarinet", de 1980. A voz de Nick Cave é, claramente, a extensão de um fontanário de águas tumultuosas. Os sons da banda, esses são a foice que corta o trigo da inovação. Pese-se a composição em uma balança de memórias e ver-se-á que o seu peso se reflecte na futurologia sonora de Nick Cave. Diz-se que o seu valor é precário, mas em minha opinião, "Mr.Clarinet", é uma sombrinha sonora que seduz os ouvidos atentos de quem se ouve. Ouvir com claridade, é desposar a clarividência da sua singularidade.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 29 de Janeiro de 2013, entre as 15H36 e as 15H54.

ABSURDOS - I

Abram-se as portas do absurdo! Proclame-se a dinâmica do caótico onde o caótico é a frustação de um formigueiro que absolve a gravata dos molhos psicóticos. Sinalize-se, com dados viciados, os prognósticos analfabetos das ventosas digitais. Reclame-se, em outdoors gigantes, o simbolismo austero da poesia prática. Ensaboe-se os computers da biodiversidade com a ginástica polifónica da vírgula verrinosa. Escrevam soluções poluídas com o timbre majestoso do feixe educacional abstracto. Abram alas à futurologia sintética das sínteses programadas em tablets de alta costura para que os sons astrais vocabulizem a geometria assimétrica. Sofram com a ciência aguda das incongruências indomáveis e descreva-se, com golos aritméticos, a paixão do seu rouxinol decadente. As alegrias serão cascalho grosso nas ruelas dos estribilhos conflituosos. Que se danem as aventuras do posfácio e a boatice dos prefácios entalados entre o virtual gorduroso e as condolências dos séquitos obtusos. Forremos os vitrais dos olhares oblíquos com as folhas ridículas de um apogeu missionário e, sobretudo, aspirem os aromas camuflados das estantes imortais. O absurdo é o instantâneo fotográfico da soma que o quadrado belicoso desintrega para que a vastidão da insensatez seja um produto informático de viroses apoteóticas. O absurdo, este absurdo, é um par ambivalente de lentes progressivas.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 29 de Janeiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H47 e as 15H22.