quinta-feira, 3 de maio de 2012

CISCOS DIÁRIOS - 03 DE MAIO DE 2012


Mais um dia. Nada de especial. Li o "Livro Segundo" que faz parte do livro de Ovídio "Arte de Amar", em uma excelente tradução da poetiza Natália Correia, infelizmente, já desaparecida do mundo dos vivos. Para se amar com amor, cada ser humano deve aprender a arte difícil de comunicar com o outro. Comunicar pelo prazer, físico e intelectual. A Humanidade é uma aparência na filosofia humana do seu dia a dia. Não me apetece filosofar. Não me apetece comunicar. Este escrever para o vazio e para os olhos que tudo devoram como se fossem escravos, geram em mim a felicidade da solidão, a incompatibilidade com todos aqueles que se devoram a si mesmos com a fealdade da sua decadência mental. A fraqueza é a sua arma, a tristeza, o seu sonho de vida. Fingem, imitando, morrem, vivendo. Apreciam pouco as asas da liberdade e desconhecem que o voo dos pássaros é a ambição dos nossos desejos mais profundos. Sinto que os meus passos são inseguros, não por falta de segurança, mas porque a minha sensibilidade é um confronto constante com o segredo da ausência. Em cada dia que passa, as sombras que se revolvem à minha volta multiplicam, em mim, a urgência de uma fuga mental que construo, passo a passo, neste ritmo de compassos desconexos e de linguagem codificada que, bem lá no fundo da minha essência, são cortinas de ferro que escondem a verdade de um processo que, em um dia qualquer, desabará como um castelo de cartas construido, artificialmente, para que um peixe agulha seja, diariamente, pescado pelas redes de um pescador que desconhece as águas que pisa. O Maio das flores é este mês desflorido, incapaz de uma nota só para embelezar a tristeza que navega nas águas poluídas de uma política sem tradução. Este meu fado é uma embarcação, em constante viagem, à volta de um porto, sem cais, sem amarras que o liguem a terra firme. Mas da minha firmeza não abdico, dos meus pensamentos não abro mão, nem que ouça o rilhar de dentes que se afiam para dar caça à presa que eu sou. A paciência sou eu, os domesticados são eles. Não gosto que confundam com quem lhes apetece, desobedeço, com facilidade, às suas intrigas de uma mesquinhez absoluta e continuo, impávido e sereno, a ouvir o ritmo certo dos meus passos nas metáforas da realidade inatacável. As badaladas do meu cansaço mental decretam que siga o meu rumo. O rumo de todos os dias.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, em 03 de Maio de 2012. Iniciado, às 17H23 e, concluído, às 18H25

CANÇÃO - III - PREGÃO DE AMOR DOCE

O amor em que repouso
é silêncio amoroso,
vício que cega o pranto
e afaga com encanto
o sorriso do olhar
que se cheira sem corar,
que sob o luar do cansaço
bebe a flor do seu regaço.

E se o quadro que pinto
for como se um filme fosse,
direi que tudo o que sinto
é um pregão de amor doce.

Este amor de grossas veias
é benção de belas teias
que me saúda a saudade
e escreve na idade
a promessa da ternura
que, sedenta, me procura
p´ra me prender à palavra
que o seduz e em tudo o lavra.

Se esta chama que dói
for drama de palco duro
direi que a vida corrói
o pregão do amor puro,

Mas se o olhar for a voz
que o corpo reconhece,
serei amante e a foz
do pregão que o amor tece.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criada, em 02 de Maio de 2012.
Escrita, diretamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, em 03 de Maio de 2012, às 13H44, e concluída, em 03 de Maio de 2012, às 15H48

FUGAS CULINÁRIAS - I - BACALHAU DESFIADO

Delírios de uma criação culinária que dá desgosto, ao gosto.
Desde já aviso que não me comprometo com o olfacto do desgosto, nem com o gosto do desgosto.
Esta primeira receita é de uma simplicidade tal que fará inveja aos palatos e às papilas gostativas das promoções visuais que assombram os enfeites das mesas dos marajás.
Primeiro, escolher uma bela tigela de sopa. Com ornamentos e abençoada pelas pupilas da neutralidade. Na sequência lógica do que foi descrito, uma das mãos apropria-se de uma colher de sopa, enquanto, a outra, rapta o galheteiro do azeite. Esta última, enche a colher com azeite e despeja-a na tigela. Acabada a operação, esquarteja-se dois dentes de alho e mergulha-os na tigela. Com o prazer de um cozinheiro afamado, junta-se, ao descrito, umas pitadas de pimenta. Segue-se, para alegria dos dedos, a operação principal: esfiar metade de uma posta alta de bacalhau para o interior da tigela. A fase seguinte é facílima. corta-se meio limão e meia laranja, espremem-se ambos e os respectivos sumos vão alagar o conteúdo da tigela. Com a mesma colher de sopa, bate-se a mistela como se estivesse a bater claras. Logo que tudo esteja bem misturado, abre-se uma cerveja branca e uma sete up,  misturando-se os dois líquidos, em partes iguais, em um copo de bela altivez.  Depois, o apetite, pela coisa, faz o resto. É uma delícia. Não falha. Come-se e chora-se por mais.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, no dia 28 de Abril de 2012
Escrito, diretamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 03 de Maio de 2012, entre as 13H55 e as 14H18