segunda-feira, 11 de junho de 2012

AFLUENTES POEMÁTICOS - XIV - O SORRISO DAS TERNURAS

NO RECANTO DAS ROTURAS
HÁ O TRANSTORNO
DO ABANDONO,
HÁ AS RAZÕES MAIS OBSCURAS
QUE ILUSÕES APAGAM
AOS DEDOS QUE AFAGAM.
NO ENCANTO DAS MOLDURAS
QUE ESCONDEM MEMÓRIAS
E VÃS GLÓRIAS
HÁ UM ESPANTO QUE MURMURAS
AOS CONTOS QUE PASSAM
ENTRE CORES QUE SE ENLAÇAM
NA BREVIDADE
DO PASSADO ARDENTE
NA OCIOSIDADE
DO FUTURO NASCENTE.
NO DOCE CANTO DAS CURAS
HÁ PALAVRAS QUE MOIRAM
E LAVRAS QUE DOIRAM
O SORRISO DAS TERNURAS.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 11 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 15H26.
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 11 de Junho de 2012, às 15H27, e, concluído, às 15H56 do dia 11 de Junho de 2012.

SUORES FICCIONISTAS - III - UM ADEUS REDENTOR

Acordou cedo. Levantou-se com a lâmina do mau-humor a rasgar-lhe o ventre da disposição. Entrou na casa-de-banho e desafiou o espelho a reflectir as sombras que se acumulavam nos vincos do seu rosto. Ligou o chuveiro. Como se fosse uma vingança exercida sobre si próprio lavou o corpo com o esplendor feroz da água fria. Limpou o corpo como quem engraxa sapatos, em uma viela qualquer da cidade, ainda meia adormecida. Com a toalha ao ombro, foi assobiando "Night and Day", de Cole Porter, enquanto se preparava para fazer a barba. Passou a espuma pelo rosto, olhou, de novo, para o espelho, e, subitamente, desistiu de se barbear. Brincou com a espuma que lhe moldava o rosto. Viu-se com pera, com bigode e, esclarecido pelos reflexos da imaginação, lavou o rosto. Gostou de se ver com a barba levemente crescida. Depois, com os flirts dos desejos a aflorarem-lhe a consciência, mergulhou numa espécie de torpor melancólico. Vestiu umas calças de ganga coçada, uma camisa preta, umas meias brancas e calçou uns moucassins que, há muito, permaneciam abandonados entre o seu calçado. Pegou no telemóvel, ligou para o emprego e, sem hesitações, despediu-se. Retirou do seu guarda-fato uma pequena mala. Encheu-a com alguma roupa e com um par de sapatos velhos. De um canto do seu quarto, apanhou a sua mochila preferida e, nela, colocou dois livros que escolheu, ao acaso, na sua estante onde permaneciam esquecidos um número incontável de livros que os seus olhos se haviam esquecido de folhear. Passou os seus dedos pelos seus cabelos pretos e ondulados, escondeu os seus olhos esverdeados por detrás de uns óculos escuros e abandonou a casa onde vivia há vinte anos. Chamou um taxi pelo telemóvel e, já no seu interior, pediu ao motorista que o levasse para o aeroporto. Em um dos seus balcões comprou um bilhete para a Tailândia. Era o primeiro voo que saía do país. Sentou-se a um canto, esperando. Fugir de si próprio era o sentimento que, subitamente, se tinha alastrado pelo seu cérebro, cansado de se vestir com a monotonia da vida que era vivida sob o alcatrão de um vírus que lhe cegava a visão de um futuro com o qual deixara de pactuar. Meio adormecido, lambeu as feridas do passado, sentindo, nos seus lábios, o formigueiro de um rosnar que lhe armava o sangue com o fulgor de uma carícia fecundadora. Um adeus redentor.          
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 11 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 14H11.
Escrito, directamente, no blogue, na Bilbioteca Nacional, no dia 11 de Junho de 2012, às 14H12, e, concluído, às 15H10 do dia 11 de Junho de 2012.

ZIPS SONOROS - VII - ORANGE JUICE

A partir do Do It Yourself (DIY) e o movimento que originou o nascimento de um sem número de editoras independentes, nos finais da década de 70, princípios da década de 80, achei que seria interessante escrever sobre alguns grupos e algumas editoras independentes, sem quaisquer preocupações cronológicas. Assim, este primeiro espaço será dedicado ao grupo Orange Juice e à sua editora Postcard.
A história do grupo teve o seu berço na cidade escocesa de Glasgow, que se baptizou com o nome de Nu-Sonics em 1977, tendo como membros Edwin Collins, Stephen Daly, James Kirk e Alan Duncan que viria a ser substituído por David McClymont quando o grupo se transformou em Orange Juice, em 1979. Os sons dos Doors e dos Velvet Underground influenciaram o design sonoro do grupo que gravaram o seu primeiro 7”, em 1980, para a editora Postcard que, entretanto, fora fundada por Alan Horne, em 1979, na cidade de Glasgow, ano em que os Orange Juice assinaram pela aquela editora.
Discografia dos Orange Juice para a Postcard:
Fevereiro de 1980 – 7” – “Falling and Laughing/Moscow”
Agosto de 1980 - 7” - “Blue Boy/Lovesick”
Dezembro de 1980 – 7” – “Simply Thrilled Honey/Breakfast Time”
Março de 1981 – 7” – “Poor Old Soul/Pt 2”
Julho de 1982 – CD – “Ostrich Churchyard” – Ao vivo em Glasgow
Julho de 1983 – CD – “The Heather´s On Fire” – Contém todos os 7” gravados para Postcard.
Alan Horne afirmava que os sons dos grupos que gravavam para a sua editora, representavam “The Sound of The Young Scotland”, como contraponto ao “The Sound of Young América” da editora Estado Unidense, Tamla Motown.
Jorge Brasil Mesquita

Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 11 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H52.

CRITICARTE - X - TOM SHARPE

Há escritores altamente conceituados e há outros que nem por isso. O escritor escolhido é um dos que nem por isso, mas, como já afirmei anteriormente, as escolhas são, acima de tudo, pessoais. Tom Sharpe é um escritor que adoro ler, porque é corrosivo, implacável no cinismo, no sarcasmo e subversivo na forma como arrasa e anarquiza os costumes e outros afins.
Tom Sharpe nasceu, em 1928, em Inglaterra, estudou em Cambridge, cumpriu o serviço militar nos Fuzileiros Navais, partiu para a África do Sul, em 1951, onde trabalhou no Departamento de Assuntos Não Europeus e leccionou no Natal. Manteve um estúdio de fotografia em Pietermantzburgo, entre 1957 e 1961, ano em que foi expulso da África do Sul por motivos políticos. De regresso a Inglaterra leccionou História no colégio de Artes e Tecnologia de Cambridge.
Aconselho os leitores que se queiram iniciar com a escrita de Sharpe, que leiam, primeiro, o livro “Wilt” que os porá ao corrente do estilo de enredos que são habituais em Sharpe.
O livro escolhido intitula-se “Vícios Ancestrais”, cujo tema gira à volta de um tal Lorde Petrefact, último abencerragem de uma dinastia de capitalistas corruptos que decide encomendar a um conceituado académico de esquerda, o Professor Yapp, a história da sua família.
“Walden Yapp viajou até Fawcett em carro alugado. Quando ia a qualquer sítio geralmente ia de comboio, mas a Fawcett House não ficava perto de nenhuma estação de comboio e a consulta de Doris, o computador, tinha apenas confirmado que não havia autocarro, nem nenhuma outra forma de transporte público que ele pudesse usar para chegar até lá. E Yapp recusava-se a possuir carro próprio em parte, porque acreditava que o Estado é que devia possuir tudo, em parte por causa das ideias conservadoras que Lorde Petrefact tão bem tinha diagnosticado, mas acima de tudo, porque Doris tinha chamado a atenção para o facto das 12 a 75 libras necessárias para manter o carro podiam comprar comida e medicamentos suficientes para manter vivas 24 crianças do Bangladesh. Por outro lado ela rebatia este argumento demonstrando que se comprasse um carro estava a dar emprego a cinco trabalhadores britânicos da indústria automóvel, a dois alemães, a um meio japonês, conforme a marca que escolhesse. Depois de uma luta com a sua consciência sobre se devia permitir que cinco trabalhadores britânicos fossem desempregados, Yapp decidira-se por não ter carro nenhum e doar o dinheiro poupado à Oxfam com a triste conclusão de que era mais possível manter dois administradores sentados à secretária do que alimentar os que morrem à fome noutro sítio qualquer.”
Eu sei que os gostos se discutem e este meu é, provavelmente, altamente discutível, mas o humor não é um reconhecimento uniforme entre os que o apreciam, por isso o leitor que se atrever a lê-lo, decidirá, por si, se valerá a pena ou não, a leitura.
Oeiras, 07/11/2009 – Jorge Brasil Mesquita
Moinho das Antas, 10/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita

Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 11 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H40. 

MEMÓRIAS SONORAS - VIII - "INDIAN RESERVATION"

Esta VIII Memória Sonora leva-me ao Sudueste dos Estados Unidos da América e à tribo dos Índios Cherokees que habitavam uma zona, localizada entre Os Apalaches e o rio Tennessse, tendo como dialecto o Iroquês. Os Cherokees sofreram, como muitas outras tribos, os efeitos da expedição espanhola de 1513 e das invasões colonizadoras francesas, inglesas e norte-americanas, que, além da guerra, provocaram a doença, o êxodo e a sua decadência.
O dialecto dos Cherokees foi o primeiro a possuir a sua própria escrita, um silabário criado por Sequoyah (1770 – 1843), formado por 86 sílabas, a criar uma Bíblia, um jornal bilingue “The Cherokee Phoenix” e uma Constituição escrita, como forma de escapar à opressão branca das décadas de 1830 e 1840.
Os Cherokees, juntamente com as tribos dos Choctaws, dos Chickasaws, dos Seminolas e dos Creeks, que eram consideradas as “cinco tribos civilizadas” por serem as que melhor se tinham adaptado ao homem branco, foram incluídas no Indian Removal Act de 1830, projectado pelo Presidente dos Estados Unidos da América, Andrew Jackson (1767 – 1845), que consistiu em proibir a permanência daquelas cinco tribos, a leste do rio Mississípi, obrigando-as a marchas forçadas que provocaram milhares de vítimas, marcha que ficou conhecida como a Rota das Lágrimas ou o Lamento dos Cherokees que é o tema da memória sonora “Indian Reservation”, interpretado pelo grupo Raiders, em 1970.
Os Raiders são os descendentes directos do grupo Paul Revere and The Raiders que, inicialmente, se chamaram Downbeats, cuja constituição se restringia a Paul Revere e a Mark Lindsay, formação criada em 1959, Caldwell, Idaho, EUA. Posteriormente, com a inclusão de Drake Levin, Mike Holliday, Michael Smith e, mais tarde, Phil Volk, o grupo passou a denominar-se Paul Revere and The Nightriders, antes de se fixarem no nome definitivo, Paul Revere and The Raiders que obtiveram alguns sucessos na década de 60, como, por exemplo, “Stepping Out” e “Just Like Me”, em 1965; “Kicks” e “Hungry”, em 1966; “Good Thing” e “Him or Me – What´s Gonna Be”, em 1967 e, finalmente, após os abandonos de Paul Revere e Mark Lindsay e reduzidos ao nome de Raiders, obtiveram o seu maior sucesso, com “Indian Reservation”, dedicada aos Cherokees e que é a memória sonora de hoje.

Fonte: “Os Índios da América do Norte” de Larry J. Zimmerman, com tradução de Sofia Gomes e editado pela Tema e Debates.
www.youtube.com/watch?v=DsMQbedCZj0

The Raiders
Indian Reservation lyrics

Songwriters: Loudermilk, John

They took the whole Cherokee nation
Put us on this reservation
Took away our ways of life
The tomahawk and the bow and knife
Took away our native tongue
And taught their English to our young
And all the beads we made by hand
Are nowadays made in Japan

Cherokee people, Cherokee tribe
So proud to live, so proud to die

They took the whole Indian nation
Locked us on this reservation
Though I wear a shirt and tie
I'm still part redman deep inside

Cherokee people, Cherokee tribe
So proud to live, so proud to die

But maybe someday when they learn
Cherokee nation will return, will return, will return, will return, will return
Oeiras, 25/10/2009 – Jorge Brasil Mesquita
Jorge Manuel Brasil Mesquita

Recriado, em 11 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H25.