terça-feira, 3 de julho de 2012

HARMONICA BLUES - VI

Os diabinhos rubros com caudas doiradas ligaram os turbos e distenderam as asas dos dois skates que, prontamente, se elevaram no ar que, pouco a pouco, se ia tornando irrespirável.
- Porquê, para norte? - perguntou um deles, meio desvairado.
- Sim, porquê, para norte - repetiu o outro cada vez mais rubro.
- Porque o norte é o norte de tudo o que não é do sul.
O silêncio regressou e, eu, voltei-me para sul com os olhos inundados pelos ritmos das saudades. O corpo, os lábios, os cabelos de avelâ, os olhos de topázio. "I´m In Love With a Girl That Does Not Exist". Voávamos sem tempo. Retirei a máscara da minha cintura e ajustei-a ao meu rosto. Ao aproximar-nos do primeiro horizonte desvendámos nos curto-circuitos das nuvens esventradas a galopada infernal dos "Riders On The Sorm". Vinham do poente e sonhavam com o nascente. Não tinham ilusões e fundavam em cada baforada de vícios ancestrais as relíquias de um futuro por desvendar. Um vento mais opaco obrigou-nos a regressar à auto-estrada, cada vez mais negra, cada vez mais sangrenta. Um pouco mais à frente, ou seria um pouco mais para trás? Não sei, encontrámos, na berma da estrada que se confundia com o poente, o poeta Allen Ginsberg que, empoleirado num "Green Tambourin" debitava para um mesclado de imigrantes o seu poema "Howl". 
- Eh! Ginsberg, por onde anda o Beat da Generation?
- Não sei, perdi-lhe o rastro. Não me interrompas que perco o fio à meada.
Como conhecia de cor e salteado a bebedeira das palavras pedi aos diabinhos rubros que acelarassem os skates e armado da minha harmonica soprei com quanta força tinha "I Got My Mojo Working", enquanto o norte era cada vez mais o norte.       
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado e escrito, directamente, no blogue, em 03 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 14H10 e as 14H45 do dia 03 de Julho de 2012.