sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

GOMOS DE UMA VIDA - 5º GOMO - ÚLTIMO

A noite é um prazer dócil de se viver, mesmo se nuvens grávidas de silêncio nos enviam as suas dores de parto ao parirem uma chuva miudinha, infantil, de tão fresca no acto de nos enfeitiçar o corpo de andarilhos. Esquadrinhei a praceta com o olhar desprendido de quem nada reconhece. Recolhi a filosofia de nada sentir sentido tudo o que se desprendia do seu cor...po, agora hirto, olhos chamejantos fitos em um horizonte que as pelejas do seu pensamento descortinavam por entre as brumas da sua inocência instável. Relâmpagos faiscaram, cortaram-me a fixidez do olhar que se vestiu de espanto ao deparar com um corpo feminino, nocturno na sua nudez, felino na riqueza escultural do seu caminhar e uns olhos que, de uma intensidade luminosa, pareciam duas estrelas fugidas do cosmos cintilante. Aproximou-se, com a mudez do seu ritmo corporal, daquele estranho que me cativara os sentidos e, com a desenvoltura de uma amante, acariciou-lhe os cabelos rebeldes, aninhou a sua cabeça entre os seus seios entumescidos, beijou-lhe os lábios cerrados e com um abraço forrado de carinho ergueu-o, levando-o para o interior de uma névoa, entretanto, surgida do nada. Um estranho perfume envolveu-me, como que me despindo da vida. A chuva bebeu-me o corpo, a névoa desfez-se e senti uma estranha solidão a embebedar o hálito nocturno. Alfarroba. Onde fica, onde estou? Não sei, talvez, na imaginação invisível de um corpo secreto. A lua cheia, o lago de águas prateadas. Despi-me e, sem tristezas, penetrei, profundo, na melodia serena das suas águas.
Jorge Manuel Brasil Mesquita.
Biblioteca Nacional, 18 de Janeiro de 2013, entre as 14h05 e as 15ho1.