terça-feira, 10 de julho de 2012

DIÁRIOS - II

Hoje acordei morto. Fingi que me lavei, vesti-me como se veste um vivo, tomei um pequeno-almoço qualquer e escapei de casa, dirigindo-me à estação de caminhos de ferro de Oeiras. Apanhei o comboio que pára em todas as estações, porque adoro apreciar os vivos que entram e saem  sugando vidas que desconhecem, abraçando com as pupilas os mortos que não se vêem e que não os vêem. Como, hoje, vivo morto, ninguém repara no cheiro a chá de cidreira que espalho por onde passo. Cheguei ao Cais do Sodré, subi a rua do Alecrim, cantando canções que ninguém ouvia. Quem se interessa pelos sons de um morto que vive a vida de um vivo que não se encontra vivo. Passei pelo Chiado e observei com minúcia a estátua do poeta cheio de nomes. Não gosto da estátua. Falta-lhe a arca e o poema do guardador de rebanhos. Rebanhos que, como eu, sobem e descem o Chiado, chilreando como passaritos sem poiso certo. Vivos ou mortos, como eu?
Parei em frente a uma montra na Rua do Carmo. Poderá um morto apaixonar-se por um manequim, exposto na montra de uma boutique? Afinal, com tantos manequins que se riem e conversam na rua, logo havia eu de me apaixonar por um manequim. Como morto, ninguém reparou que entrei na boutique, que surripiei o manequim e que fomos, ébrios de vida, dançar para o meio da rua. Parece que só eu ouvia a música que nos embalava, só eu era o metrómono do meu ritmo de morto. Assim que me cansei, devolvi o manequim à montra e enfiei-me no metro. Saí em São Sebastião e fui ao cinema, entusiasmado por poder ver um filme do grande detective Sherlock Holmes. Poderá um morto assassinar a morte de uma película cinematográfica? Descobri no final de uma desilusão que não, embora as minhas cavidades oculares estivessem em brasa, mas juro que não queimaram nada. Comi qualquer coisa na restauração do Corte Inglês, meti-me no metro e regressei a casa, acompanhado por uma multidão de vivos, ou, talvez, quem o saberá, de outros mortos como eu, mas sem que ainda se tenham apercebido de tal. À noite, vesti-me de vivo, deitei-me na cama e sonhei como morto. Sonhei com essa maldita pergunta que perdurou para além de toda a ciência flutuante. Estarei vivo, como vivo, ou vivo, como morto? Não sei, nem quero saber. Um morto, nunca quer saber de nada, excepto quando é embalado pelo prazer da vida.
Centro Cultural de Belém, 09/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita - 16H16

Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado e corrigido, directamente, no blogue, em 10 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 16H18 e as 16H29 do dia 10 de Julho de 2012.

MEMÓRIAS SONORAS - XXII - "A HARD RAIN' S A-GONNA FALL"

A memória é uma espécie de computador onde se podem pesquisar factos históricos que justificam o nascimento de composições musicais que se tornaram em bandeiras ou em manifestações de oposição a erros políticos que inúmeras vezes se transformam em riscos para a Humanidade.
Estão, neste caso, os acontecimentos ocorridos entre 1961 e 1963, entre os EUA e a União Soviética, que graças à ingenuidade e imaturidade política do Presidente Kennedy dos EUA, provocaram o desastre da Baía dos Porcos. Sucederam-se a tentativa de envenenamento de Fidel de Castro, o bloqueio naval e, sobretudo, a crise dos mísseis, todos eles ligados a Cuba e que estiveram na origem de uma quase catástrofe nuclear. As oposições musicais que surgiram, especialmente, entre os Folk Singers estado-unidenses, contribuiram para o aumento da popularidade de Bob Dylan que já havia conquistado grande notoriedade com o tema “Blowing In The Wind” que não é a minha memória sonora. Esta refere-se a outra composição que Bob Dylan considerou como uma espécie de epitáfio musical, tal era a convicção do desespero que reinava nesse tempo. A composição chama-se “A Hard Rain´S Gonna Fall”. Seguindo o próprio pensamento de Dylan, o verso chave da canção é “The Pellets Of Poison Are Flooding Us All”. A canção foi escrita no final de 1962 e, incluída, no álbum “Freewheelin”, de 1963.
Como é habitual apresento a seguir o acesso ao You Tube e a letra da composição:

vids.myspace.com/index.cfm?fuseaction=vids.individual&videoid=31363243

A Hard Rain's A-Gonna Fall
Oh, where have you been, my blue-eyed son?
Oh, where have you been, my darling young one?
I've stumbled on the side of twelve misty mountains,
I've walked and I've crawled on six crooked highways,
I've stepped in the middle of seven sad forests,
I've been out in front of a dozen dead oceans,
I've been ten thousand miles in the mouth of a graveyard,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, and it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.
Oh, what did you see, my blue-eyed son?
Oh, what did you see, my darling young one?
I saw a newborn baby with wild wolves all around it
I saw a highway of diamonds with nobody on it,
I saw a black branch with blood that kept drippin',
I saw a room full of men with their hammers a-bleedin',
I saw a white ladder all covered with water,
I saw ten thousand talkers whose tongues were all broken,
I saw guns and sharp swords in the hands of young children,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.
And what did you hear, my blue-eyed son?
And what did you hear, my darling young one?
I heard the sound of a thunder, it roared out a warnin',
Heard the roar of a wave that could drown the whole world,
Heard one hundred drummers whose hands were a-blazin',
Heard ten thousand whisperin' and nobody listenin',
Heard one person starve, I heard many people laughin',
Heard the song of a poet who died in the gutter,
Heard the sound of a clown who cried in the alley,
And it's a hard, and it's a hard, it's a hard, it's a hard,
And it's a hard rain's a-gonna fall.
Oh, who did you meet, my blue-eyed son?
Who did you meet, my darling young one?
I met a young child beside a dead pony,
I met a white man who walked a black dog,
I met a young woman whose body was burning,
I met a young girl, she gave me a rainbow,
I met one man who was wounded in love,
I met another man who was wounded with hatred,
And it's a hard, it's a hard, it's a hard, it's a hard,
It's a hard rain's a-gonna fall.
Oh, what'll you do now, my blue-eyed son?
Oh, what'll you do now, my darling young one?
I'm a-goin' back out 'fore the rain starts a-fallin',
I'll walk to the depths of the deepest black forest,
Where the people are many and their hands are all empty,
Where the pellets of poison are flooding their waters,
Where the home in the valley meets the damp dirty prison,
Where the executioner's face is always well hidden,
Where hunger is ugly, where souls are forgotten,
Where black is the color, where none is the number,
And I'll tell it and think it and speak it and breathe it,
And reflect it from the mountain so all souls can see it,
Then I'll stand on the ocean until I start sinkin',
But I'll know my song well before I start singin',
And it's a hard, it's a hard, it's a hard, it's a hard,
It's a hard rain's a-gonna fall.
Bob Dylan
Copyright ©1963; renewed 1991 Special Rider Music

Jorge Brasil Mesquita
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado e corrigido, em 10 de Julho de 2012, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, entre as 14H55 e as 15H03 do dia 10 de Julho de 2012.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

DIÁRIOS - I

Saí de casa, bem cedinho, com um caderninho e uma esferográfica na mão. Caminhava indiferente ao tempo chuvoso, enquanto ia cantarolando qualquer coisa imperceptível para enganar todos os pensamentos que me aprisionavam. Entrei num café, sentei-me numa mesa junto da janela e pedi um garrafa de água natural, sem gás. Assim que a depositaram na mesa, bebi uns quantos goles e, depois, abri o caderninho, e, de esferográfica em punho, fui escrevendo, ao acaso, uma cachoeira de palavras até que fui invadido pelo fastio. Fechei o caderninho, cruzei os braços sobre o peito e fechei os olhos, fingindo que dormitava. Desconheço o tempo que passou. Abri o caderninho e tentei descobrir no emaranhado das palavras escritas um sentido qualquer. Pareciam palavras isentas de honestidade, aprendidas como quem com elas se disfarça com o intuito de cozinhar um rodeo de segredos e de mentiras que rimam com as deontologias da ilusão. Tentei fazer com elas um alfabeto e desenhar, no meu pensamento, uma luz clara que a todos iluminasse o caminho da verdade. Foi uma leitura inútil. Quanto mais olhava para as palavras, mais poeira lançava para o interior de mim mesmo. Não que eu seja cego, mas quando se interlaçam os mistérios e os sons de uma floresta, é quase certo que rebenta uma disfunção cerebral qualquer que não me permite celebrar palavras que se riem de mim com as grossas gargalhadas de pavões que, com os seus leques abertos de cores, ficam óptimas em uma passerelle, onde os supra sumos da sapiência ditam as palavras das insuficiências culturais. As palavras escritas não se resumiam de maneira nenhuma, não explodiam em ideias, foram o reflexo de um dia chuvoso.
Paguei a água, levantei-me e abandonei o café, gastando o resto do dia em passeios ao acaso. Usei-os como um subterfúgio para me esconder de mim próprio. A noite crescia quando regressei a casa, onde, com um pouco de música, adormeci, rastejando pelo mundo envidraçado dos sonhos. E, assim, se passou mais um dia na vida de quem sabe que a vida é um mero segundo de palavras abertas e de sentidos desérticos.

Biblioteca de Oeiras, 09/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita - 15H01
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, directamente, no blogue, em 09 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 16H03. Corrigido, em 10 de Julho de 2012, às 14H43.

MEMÓRIAS SONORAS - XXI - "WOODSTOCK"

O Festival de Woodstock, realizado nos dias 15, 16 e 17 de Agosto de 1969, na herdade de Max Yasgur, Estado de Nova Iorque, foi, simultaneamente, o apogeu e o início do declínio do movimento de contra-cultura e hippie, iniciado em San Francisco e tendo como mentores os elementos fundadores da Beat Generation e que foi engolido pelo Sistema com a maior das naturalidades. Contudo, não é com o Festival que preencherei esta memória sonora, mas sim com a composição “Woodstock” que é uma celebração do Festival e que foi composta por essa grande senhora da música popular, Joni Mitchell, em 1969 e editada no seu álbum “Ladies of The Canyon” de 1970. Porém, não é a sua versão, nem a dos seus amigos e companheiros Crosby, Stills, Nash and Young que se encontra no álbum “Deja Vu” de 1970. Esta memória sonora pertence ao grupo Matthews Southern Comfort de Ian Matthews, que, entretanto, havia abandonado os Fairport Convention. A versão é uma mistura de Folk, açúcar e harmonias vocais que brilham pela limpidez e que traduzem, em minha opinião, o ambiente que se viveu no Festival.


www.youtube.com/watch?v=pyTUF5gP2KE

Woodstock Lyrics

I came upon a child of God
He was walking along the road
And I asked him, "Where are you going?"
And this he told me...

I'm going on down to Yasgur's Farm,
I'm gonna join in a rock and roll band.
I'm gonna camp out on the land.
I'm gonna get my soul free.

We are stardust.
We are golden.
And we've got to get ourselves back to the garden.

Then can I walk beside you?
I have come here to lose the smog,
And I feel to be a cog in something turning.

Well maybe it is just the time of year,
Or maybe it's the time of man.
I don't know who I am,
But you know life is for learning.

We are stardust.
We are golden.
And we've got to get ourselves back to the garden.

By the time we got to Woodstock,
We were half a million strong
And Everywhere there was song and celebration.

And I dreamed I saw the bombers
Riding shotgun in the sky,
And they were turning into butterflies
Above our nation.

We are stardust..
We are golden..
And we've got to get ourselves back to the garden.
Joni Mitchell

Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, directamente, no blogue, em 09 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 14H22.

sábado, 7 de julho de 2012

FRICÇÕES - VIII - VETO AOS SUBSÍDOS

CORTES DOS SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DO NATAL: O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL VETA E NÃO VETA, O GOVERNO EMBOLSA O VETO COM O SEU MEIO VETO. SERÁ QUE O MEIO VETO NÃO É INCONSTITUCIONAL?
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, escrito e corrigido, directamente, no blogue, em 07 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 13H31 e as 13H35 do dia 07 de Julho de 2012 e, às 15H24.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXV - MURAL

NO SILÊNCIO QUE SE ADORA
HÁ PRISÕES DE ASFALTO
QUE ATRAVESSAM A HORA
COM O RISO DE QUEM CHORA
E A FEBRE DE UM ASSALTO
À SOLIDÃO QUE RESVALA
ENTRE A DOR QUE TUDO EMBALA
E A CORTE DA AGONIA
QUE EM TUDO FANTASIA.
SÃO AS JORNAS DO DESTINO
NAS OLHEIRAS DOS AFAGOS
ESSES CÂNTICOS SEM TINO
QUE ROMPEM VAGAS E BAGOS
ÀS GARGANTAS DO SEGREDO
E ÀS CAMAS DO DEGREDO.
NO SILÊNCIO QUE DEVORA
A ESPERA DA ESPERANÇA
HÁ UM AMOR QUE NAMORA
A TRISTEZA DE QUEM DANÇA
E O FUTURO DA CORAGEM
NA PINTURA DA MENSAGEM
QUE SE ABRAÇA AO MURAL
DO FASCÍNIO MAIS CARNAL.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado e escrito, directamente, no blogue, em 04 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 16H17 e as 16H51 do dia 04 de Julho de 2012.

CRITICARTE - XVIII - "OS COMBOIOS VÃO PARA O PURGATÓRIO"

Um escritor é tanto mais suculento quanto maior for a sua capacidade de transformar em um delírio contínuo o sumo ritmado da sua prosa musculada. Um breve comentário introdutório para, resumidamente, abordar um livro que encantou a minha sensibilidade: "Os Comboios Vão para o Purgatório", de Hernán Rivera Letelier. Um comboio atravessa as entranhas do deserto de Atacama, no Chile, levando no seu interior uma multidão de sabores, um mercado de emoções e de paixões que se vão criando e desenvolvendo ao longo de uma viagem cujo destino é a ignorância de um futuro ausente. Leitura iniciada e, passageiros do comboio, percorremos, quasi sem fôlego, o cordão umbilical da sua viagem. Um belo livro!  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado e escrito, directamente, no blogue, em 04 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 15H05 e as 15H22 do dia 04 de Julho de 2012.

FALTA DE APETITE

Hoje, falta-me, em apetite, o que me sobra em desleixo escriturário. Os meus olhos são os chips secretos do que escrevo e do que transmito para que outros olhos de leitura automática se esquivem à consulta de um original que preza os castiçais da sua castidade. Quero lá saber que os apetites sejam como o azeite que vêem à tona da água para demonstrar a veracidade aos que conjuram as mentiras do seu suporte. A escrita é um recreio onde brincam as palavras dos jogos que me aliviam o stress humanístico de uma reforma fisgada pelas ondas da austeridade. Escrevo porque me apetece. Descanso os verbos para que os adjectivos não tenham substantivos. É um carrocel de identidades argutas que distendem os seus augustos abraços por todos aqueles que se atrevem a escapar às manipulações que outros subscrevem de uma forma despudorada. O eldorado de uns é a ruína de outros, facto que todos estimam e engolem para que as suas ternuras não se ofendam com a caliça de um cérebro oco. Não tenham pena deste autor, nem dos seus direitos que são oferenda de lautos banquetes e de pagodes da velha ciência para que o alvo a atingir sejam estas linhas de embalagens titânicas. Tudo tentam para me castrar a personalidade que não está à venda, que não se entrega ao acantonamento da sua liberdade. Os olhos podem filmar, mas a razão que os sustenta é um guião que não cabe na memória de todos aqueles que os usurpam. Quero lá saber do que não sei e do que sei saber.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado e escrito, directamente, no blogue, em 04 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, èntre as 13H58 e as 14H31 do dia 04 de Julho de 2012.

MINIATURAS - XII

O EMPOBRECIMENTO DA CULTURA DEVE-SE À CULTURA DO EMPOBRECIMENTO.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado e escrito, directamente, no blogue, em 04 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H50.

terça-feira, 3 de julho de 2012

HARMONICA BLUES - VI

Os diabinhos rubros com caudas doiradas ligaram os turbos e distenderam as asas dos dois skates que, prontamente, se elevaram no ar que, pouco a pouco, se ia tornando irrespirável.
- Porquê, para norte? - perguntou um deles, meio desvairado.
- Sim, porquê, para norte - repetiu o outro cada vez mais rubro.
- Porque o norte é o norte de tudo o que não é do sul.
O silêncio regressou e, eu, voltei-me para sul com os olhos inundados pelos ritmos das saudades. O corpo, os lábios, os cabelos de avelâ, os olhos de topázio. "I´m In Love With a Girl That Does Not Exist". Voávamos sem tempo. Retirei a máscara da minha cintura e ajustei-a ao meu rosto. Ao aproximar-nos do primeiro horizonte desvendámos nos curto-circuitos das nuvens esventradas a galopada infernal dos "Riders On The Sorm". Vinham do poente e sonhavam com o nascente. Não tinham ilusões e fundavam em cada baforada de vícios ancestrais as relíquias de um futuro por desvendar. Um vento mais opaco obrigou-nos a regressar à auto-estrada, cada vez mais negra, cada vez mais sangrenta. Um pouco mais à frente, ou seria um pouco mais para trás? Não sei, encontrámos, na berma da estrada que se confundia com o poente, o poeta Allen Ginsberg que, empoleirado num "Green Tambourin" debitava para um mesclado de imigrantes o seu poema "Howl". 
- Eh! Ginsberg, por onde anda o Beat da Generation?
- Não sei, perdi-lhe o rastro. Não me interrompas que perco o fio à meada.
Como conhecia de cor e salteado a bebedeira das palavras pedi aos diabinhos rubros que acelarassem os skates e armado da minha harmonica soprei com quanta força tinha "I Got My Mojo Working", enquanto o norte era cada vez mais o norte.       
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado e escrito, directamente, no blogue, em 03 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, entre as 14H10 e as 14H45 do dia 03 de Julho de 2012.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

TENHO DIAS...

Tenho dias que vivo no deserto, entre as areias errantes, as estrelas e o Sol. Quando o vento entoa os seus cânticos de desespero, eu desapareço. Abraço-me ao alfabeto das dunas e não faço perguntas, nem ouço respostas. O vento apesar de ser um concerto de sons que lambem e lamentam toda a solidão que vestem, são o corpo do silêncio que caminha, perdido e cansado, entre a luz ofegante do Sol e a suavidade luminosa das estrelas.
A noite é o camelo que me conduz à lanterna de um oásis, onde o cansaço é um sonho de nunca mais acordar. A simplicidade deste percurso diário, é a arte complicada de não pensar, sugando todo o seu encanto com a realidade das dunas que me povoam e com a eternidade do camelo que se arrasta sem oásis e sem desertos para compreender que a água reservada, não é mais do que um sopro de pérolas que choveram dos olhos, sem luz do dia, sem a luz da noite, porque as dunas apenas lambem o tempo com os lacraus da finidade. Tem dias que esta duna que aparento ser, cobre a razão da luz, esconde no silêncio da sua imobilidade a voz que o silêncio abraça ternamente para que não se ouçam os pingos da chuva que nunca se olham.
Tenho dias que sou o adeus do próprio adeus. Só o vento me acalma, só uma palmeira conhece a sombra da minha sombra.
Tenho dias que entre o deserto e as estrelas, sou a simplicidade do nada, do ninguém.
Tenho dias que é este o hábito que visto na areia solitária de um silêncio.
Biblioteca de Oeiras, 07/12/2009 - Jorge Brasil Mesquita. Jorge Manuel Brasil Mesquita. Recriado e escrito, directamente, no blogue, em 02 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H52.