sábado, 16 de junho de 2012

OS FILHOS DO MEDO DA VIDA

Pertenço ao cantinho dos vultos que estendem a mão ao Futuro, porque o passado os transformou em filhos do medo da vida. São apenas números no arco do triunfo dos endividamentos, santificados pelo ostracismo a que são vetados todos os que não se abrigam nas cavernas dos que sopram os ventos da sua estabilidade, graças à instabilidade dos que professam as magias falsas da salvação quotidiana. Cansei-me das cantigas dos que louvam as louva-a-deus dos mandatos irreflectidos nos espelhos das vaidades individualistas dos que fingem que são, o que não sendo, passam por ser o livre arbítrio das mentiras que cheiram às lixeiras das verdades em que já ninguém acredita, a não ser eles mesmos, agarrados que estão, aos fluídos endividados das suas dúvidas abstractas, defendidas pelos carrapatos das ignorâncias ideológicas e pelas realidades que são o monte Evereste da falência colectiva. Não importa afirmar que não somos o que éramos noutros tempos, importa sim avaliar o que seremos se continuarmos a ser a fundição dos planos, fundidos nas sepulturas da mendicidade colectiva no reino dos reinadiços abstractos. Pouco me importam as vigílias dos cérebros emperdenidos na vigência de um reino simulado. O que se aclama não são realidades, mas abstracções de cérebros conflituosos e de afrontamentos paralisados pela ignorância de uma fragrância luminosa. Quando todos acordarmos para a claridade da nossa sina, saberemos ouvir no fragor de um desmoronamento, o quadro simbólico de um rectângulo ridículo, esfumando-se na espuma da inexistência. Será a água e não o azeite que virá ao de cima. Eis a verdade de uma outra verdade que a verdade não deixará omitir.Sesimbra, 30/12/2009 - 14H16 - Jorge Brasil Mesquita
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 16 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 15H47.

AFLUENTES POEMÁTICOS - XIX - PALAVRAS

Palavras
debruçam-se gota a gota
no parapeito do olhar;
espelham a vida absurda
de quem nunca soube amar.
Palavras
que mendigam a arte de nascer
na consciência da morte.
Abro o livro da minha coragem
com a esperança de a conceber,
mas a linguagem difícil de entender
deixa-me num estado de desnorte absoluto.
Caminho vacilante à beira de um abismo
onde o silêncio é a noite do dia
onde as palavras são o mutismo
da melancolia.
Procuro nos escombros da memória falida
uma noção de vida
um gesto puro de energia
que destile a poeira do dia a dia
mas nada sinto a não ser o cansaço
de uma longa e triste monotonia.
Palavras
que me consomem a criação
que me rasgam a ilusão
de não ser mais do que um traço
nos desenhos da razão.
Palavras
que habitam o primitivismo
da minha ciência muda
e vestem o analfabetismo
do meu futuro decadente
com as lágrimas de um medo permanente
medo das páginas em branco
das linhas por intuir
as frases malignas da frustração
medo da sonoridade inclemente
que não me deixa abstrair
dos parágrafos da colisão
entre um sorriso de inocências
e o choro das excrescências.
Palavras
que vestem as sombras da realidade
com os olhos certos da verdade.
P.S. Estas "Palavras" foram publicadas no jornal da Universidade Sénior de Oeiras.
Oeiras, 08/05/2005 - Jorge Brasil Mesquita

Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 16 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H56.

MINIATURAS - IV

OUVIR AS LÁGRIMAS DO TEMPO.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 16 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H47.
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 16 de Junho de 2012, às 13H48.

UM PEDAÇO DE MIM

Sempre que caminho pelas ruas do tempo, sinto num recanto interior, muito bem escondido, um pequeno jardim com uma única flor plantada pelos filamentos da idade. Umas vezes acendem-se, outras, apagam-se. Nas esquinas do tempo, onde o passado anseia pelo futuro, há um osso de saudades que me recuso a roer. Nunca nos terminais do destino encontrei razões para que a flor se tenha recusado a florescer. É um jardim triste, apesar da muita música com que festejei a alegria de a ter comigo. Embora o tempo seja eterno, eu não o sou. Será que ela o será? A velhice não me apoquenta. A flor provoca-me com tratados de incompreensão.
O corpo vai adormecendo, pouco a pouco, mas ela continua, interna e sorridente, perante o desespero de não encontrar o sémen justo que seja o alimento que a desperte e me emagreça a tristeza que me enfeita os lábios das dores, flocos de neve que se vão derretendo, ao sentirem os fios solares soprarem-lhe as últimas gotas de vida. Talvez, eu seja um floco de neve que, ao derreter-se, liberte, finalmente, a glória perfumada desta flor que me desconhece e que não chora, sendo um sonho que a morte do meu tempo conduzirá, certamente, ao seu florescimento triunfal. Porém, eu não sou quem pareço, e a flor não o sabe. A bebedeira do meu último suspiro será a última melodia que remará com a brisa do tempo.
Cascais e Moinho das Antas, 04/05/12/2009 - Jorge Brasil Mesquita

Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 16 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H38.