quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - I

Um sorriso tímido à flor dos lábios, passos curtos e nervosos, olhos perdidos no côncavo sibilino de uma vida alheia. Na impressora das suas memórias corre a liturgia clássica de expressões ocas e de conversas básicas, retiradas ao acaso, nos acessos práticos dos passageiros quotidianos. Sob a luz solar, confunde a sua sombra com um perfil estético de si próprio, perdido, no embalar sistemático do seu sistema nervoso central. A sua vida é uma espécie de aspirina que alguns engolem com a precipitação de ambições esporádicas e de embaraços cofrangedores derramados em estilos literários de pouca monta. A eloquência dos seus monólogos entorna contrastes de sabor,logo que embalsamados pela delicadeza de diálogos que mastiga com a seda jovial dos corpos com quem se cruza nas encruzilhadas da vida, amarga e decapitada pelos poros insalubres de uma transpiração mental errática.Pela manhã, veste-se a preceito, consulta o seu corpo de surfista indomável no espelho prismático da sua mansarda ancestral, forrada com uma batina de limoeiros, gasta e felpuda.Gosta de observar as ilhotas melancólicas dos seus olhos de cor camaleónica para testar os ciclos sangrentos da sua imaginação anedótica.Simula esventrar as pupilas com um estilete de ardósia, na ânsia de subverter o anonimato da sua lógica racional. O seu sangue embebeda-o, opaco, e a escuridão é vernácula e faminta; entrega-se, com paixão, à caverna profunda de uma irreverência asmática que o devora com a ansiedade dos vermes vestutos, colhidos nos unguentos da profundidade terrena e lambe, guloso, a seiva sanguínia do seu colestrol melancólico. Gargalhadas choram a opulência dos ferrões que lhe sedimentam a pele estaladiça do seu corpo, entretanto, transformado em Calígula doméstico que o adorna com a esponja linfática de uma apoteose astuta e demencional.Os seus lábios sussurram memórias estaladiças e depenam adereços de um cenário dantesco. Os asfaltos da cidade madura são passadeiras de escombros hediondos que os conflitos da sua idade, imperceptível, transformam em belezas escarninhas de confettis carnavalescos. A sua cidadania é a incógnita que todo o pilantra despreza, em nome de um ritual sardónico. A velocidade do seu carro desportivo é o palco onde as suas emoções espirram as representações alcoólicas do seu pedantismo faminto. Os sinais rubros incendeiam-lhe os sapatos pretos de verniz. A brusquidão é o sintoma das suas evasões e o estigma da espera é o ciclo devorador das sua visões. As pupilas, concentradas no âmago do breu, filmam. Amarrado a uma cadeira de aço, boca vendada, olhos escancarados, observa a nuvem de lacraus que, concentrada sobre os seus cabelos revoltos, chove.Saciam a sua avidez venenosa ao penetrarem, jocosamente, os suores frios do seu corpo paralisado. Estranhamente, nada o move, a não ser o ritmo alucinado do seu olhar perdulário. Instintivamente, o sapato crava-se no acelador e o carro arranca, aflito, perante a visibilidade do verde.Os músculos distendem-se e o corpo afeiçoa-se às paisagens corredoras das margens alucinatórias que cercam os movimentos apaixonados das rodas sobre o asfalto irregular.O seu olhar fixa-se em um ponto abstracto onde a colheita das memórias são cinzas frescas de orgulhos e preconceitos. Acelera, timidamente, revelando uma urgência repentina de se encontrar com o castelo da antiguidade na altivez robusta da serra verdejante. O motor emudece junto à porta que comunica com o passado, as suas passadas, largas e firmes, avançam rumo ao torreão mais alto. O rosto, crispado, encerra no seu mutismo uma ferida reaberta pelo carimbo caótico do seu passado que lhe embeleza a firmeza do seu fragor futurista. De pé, sobre a muralha, visualiza, revitalizado, a profundidade do seu objectivo. Abre os braços e voa, em um voo picado pelas águas memoriais do seu passado. Sequências de claridade por entre os tentáculos da noite que se aproxima, voraz e eterna.           
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H10, as 15H35 do dia 01 de Fevereiro de 2013, as 14H45 do dia 05 de Fevereiro de 2013, as 14H57 do dia 06 de Fevereiro de 2013, as 14H50 do dia 07 de Fevereiro de 2013, as 15H21 do dia 08 de Fevereiro de 2013, as 16H18 do dia 11 de Fevereiro de 2013, as 16H17 do dia 13 de Fevereiro de 2013 e as 14H57 do dia 14 de Fevereiro de 2013.