quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

INTIMIDADE

Intimidade. Que sabor tão estranho na saliva diária da sonolência, que raiva tão íntima de não ser íntimo de nada. Despir a nudez e vestir a magreza do sonho violado com o alfabeto da timidez urbana é um sentido, sem sentido, dos sentidos que não se sentem. Presença de espírito, gritam os fantasmas da ópera, algemados à geada emocional de não haver emoções à flor da pele. São íntimos da intimidade, mas revelam a fragilidade de uma infância que permanece austera no corpo de uma idade vertiginosa, em concertos de vida. O maestro e o músico são uma e a mesma personagem ao relento de uma atmosfera híbrida. Nada consola a intimidade. O desconsolo é uma imobilidade na batuta da sua sequência filmada. Vesti-la com segredos de cor, é bani-la com as banalidades de um diálogo inócuo. Intimidade, que fraqueza tão anónima no busto de uma centelha fugaz! Sagrado é o fogo que preside ao seu prazer de tudo ser, nada sendo. Intimidade! Que estranho eco, esse, o que ressoa na profundidade perpendicular de um átomo decadente. Despenteia emoções, vagueia, incólume, no universo do seu desconhecimento, é, ridiculamente finito, na inocência noturna da sua verticalidade autónoma. Não a habito se, nela, me reconheço. Sou um estrangeiro na face da sua mudez, sou um seu passageiro no bafo tricotado pelos dedos sonoros do silêncio. Intimidade! Vaga, no pudor, astuta, no ritmo ágil da sua cadência imutável. Intimidade! Ardente, na verdade pétrea do seu consumo, eterna, na pureza do seu instinto. Intimidade! É este corpo inteiro que, em nome da sua verdade, renasce, a cada passo dado, para além de todas as suas partículas sensíveis. Intimidade!
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 28 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H00 e as 15H08.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

DIÁRIOS - VI

Descer a Avenida da Liberdade, banhado pela luz lânguida dos candeeiros, é descobrir, em cada passo nocturno, a brevidade de um acto desmedido. As sombras que me acompanham, dialogam, em compassos teatrais, no palco amargo de uma vida que se afaga com os carinhos de um corpo imaterial.  O desejo é uma fonte inesgotável de prazeres escondidos que navegam, tranquilos, sobre as águas prateadas do rio Tejo. Partem em contentores de ficções, em cargueiros que se desvanecem  no ócio esbatido do horizonte, entre assombros de partículas sonhadas. Toda esta ventilação sonora pousa sobre o meu olhar, com asas de sono, com o bico da insolência depenicando as amarras que me atracam ao porto da inocência. O que é a noite senão um abraço fleumático de partidas e um arrufo  de encontros imaginativos nos fulgores da madrugada.  Atravesso a sonoridade urbana por entre as lianas de faróis ébrios e fumego composições de passados que osculam uma dimensão emocional e a carga inédita de uma carga convencional.  Nos Restauradores, sou uma maré de sorrisos interiores. Na Estação do Rossio, sou um comboio que chega e outro que parte, passageiro, em inversível cor, de um preto e branco que me comove e me adorna com epitáfios de natureza humana. Rumo ao Chiado, descalçado de memórias, subverto os ouvidos da noite e embebedo-me com as saladas musicais que desencantam, ao mar das tormentas, pedaços de alegrias que o rio engole para que as suas águas tonifiquem a liberdade dos pensamentos que alagam a foz dos dissabores. Sombras desfeitas, a realidade é um pavio que se acende ao comboio das fugas, não de Bach, mas dessa claridade que inventa a sobriedade musculada de uma magia contínua. A vida, que a Lua acende, é uma vela que ilumina e um prazo que a Morte fecunda.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 20 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H43 e as 15H50.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - II

Um voo vertiginoso. Abraçou-se às galochas do tempo e, tal como um trapezista sem rede, protegeu os malabarismos de uma execução arriscada e entregou-se às mãos do puto que era quando, na aldeia em que vivia, seguia os carreiros das formigas carregando, com elas, a reserva alimentícia do inverno castigador. Entretinha-se, com laivos de cinismo, a depositar, nos seus caminhos, obstáculos que lhes dificultavam os percursos até às bocas dos seus refúgios. Adorava asfixiar-lhes as bocas e dava pulos de satisfação ao vê-las ensandecidas. Se lhe apetecia fisgava uma e colocava-a sobre a sua palma da mão. Deixava-a correr pelo seu braço e, em um acesso de raiva incontida, dava-lha uma dentada e tomava-lhe o gosto. Não gostava. Cuspi-a e volvia de regresso a casa e ao regaço de seus pais. Que pais! Amavam-se no campo, em casa, a qualquer hora do dia e da noite, sem que nunca lhe tivessem dado a companhia de um irmão. E para que desejara ter um irmão se a cor das borboletas eram alvo especial dos seus olhos e da colecção que conservara, às escondidas, em um esconderijo, no conforto do palheiro. Ah! como delirava espetar-lhes um alfinete no corpo sensível e vê-las debaterem-se pela liberdade perdida. Que belo arco-íris ele coleccionara! A casa era rodeada por uma quinta onde havia de tudo o que a imaginação esculpia. Gostava de caminhar até ao riacho onde tomava gostosos banhos de água gelada. O frio toldava-lhe o discernimento. Vingava-se, atirando pedras aos peixes que por ali cirandavam, quando não apanhava um e o devorava como se fosse triturado pela fome de um lobo esfaimado. Se o dia o torturasse com a preguiça, dormia no palheiro. Acordava à noite, saía de casa por entre os gemidos afogueados dos pais, ia ouvir as rãs e se o temporal lhe abanasse as ideias encostava-se a uma rocha e delirava com o bailado dos relâmpagos e o ritmo acelarado dos trovões. Adormecia quando o sol despontava e sonhava com as trepadeiras do medo. Acordava aflito e desenhava na gravilha a figura dos pais.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, no dia 19 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H13 e as 15H09.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - I

Um sorriso tímido à flor dos lábios, passos curtos e nervosos, olhos perdidos no côncavo sibilino de uma vida alheia. Na impressora das suas memórias corre a liturgia clássica de expressões ocas e de conversas básicas, retiradas ao acaso, nos acessos práticos dos passageiros quotidianos. Sob a luz solar, confunde a sua sombra com um perfil estético de si próprio, perdido, no embalar sistemático do seu sistema nervoso central. A sua vida é uma espécie de aspirina que alguns engolem com a precipitação de ambições esporádicas e de embaraços cofrangedores derramados em estilos literários de pouca monta. A eloquência dos seus monólogos entorna contrastes de sabor,logo que embalsamados pela delicadeza de diálogos que mastiga com a seda jovial dos corpos com quem se cruza nas encruzilhadas da vida, amarga e decapitada pelos poros insalubres de uma transpiração mental errática.Pela manhã, veste-se a preceito, consulta o seu corpo de surfista indomável no espelho prismático da sua mansarda ancestral, forrada com uma batina de limoeiros, gasta e felpuda.Gosta de observar as ilhotas melancólicas dos seus olhos de cor camaleónica para testar os ciclos sangrentos da sua imaginação anedótica.Simula esventrar as pupilas com um estilete de ardósia, na ânsia de subverter o anonimato da sua lógica racional. O seu sangue embebeda-o, opaco, e a escuridão é vernácula e faminta; entrega-se, com paixão, à caverna profunda de uma irreverência asmática que o devora com a ansiedade dos vermes vestutos, colhidos nos unguentos da profundidade terrena e lambe, guloso, a seiva sanguínia do seu colestrol melancólico. Gargalhadas choram a opulência dos ferrões que lhe sedimentam a pele estaladiça do seu corpo, entretanto, transformado em Calígula doméstico que o adorna com a esponja linfática de uma apoteose astuta e demencional.Os seus lábios sussurram memórias estaladiças e depenam adereços de um cenário dantesco. Os asfaltos da cidade madura são passadeiras de escombros hediondos que os conflitos da sua idade, imperceptível, transformam em belezas escarninhas de confettis carnavalescos. A sua cidadania é a incógnita que todo o pilantra despreza, em nome de um ritual sardónico. A velocidade do seu carro desportivo é o palco onde as suas emoções espirram as representações alcoólicas do seu pedantismo faminto. Os sinais rubros incendeiam-lhe os sapatos pretos de verniz. A brusquidão é o sintoma das suas evasões e o estigma da espera é o ciclo devorador das sua visões. As pupilas, concentradas no âmago do breu, filmam. Amarrado a uma cadeira de aço, boca vendada, olhos escancarados, observa a nuvem de lacraus que, concentrada sobre os seus cabelos revoltos, chove.Saciam a sua avidez venenosa ao penetrarem, jocosamente, os suores frios do seu corpo paralisado. Estranhamente, nada o move, a não ser o ritmo alucinado do seu olhar perdulário. Instintivamente, o sapato crava-se no acelador e o carro arranca, aflito, perante a visibilidade do verde.Os músculos distendem-se e o corpo afeiçoa-se às paisagens corredoras das margens alucinatórias que cercam os movimentos apaixonados das rodas sobre o asfalto irregular.O seu olhar fixa-se em um ponto abstracto onde a colheita das memórias são cinzas frescas de orgulhos e preconceitos. Acelera, timidamente, revelando uma urgência repentina de se encontrar com o castelo da antiguidade na altivez robusta da serra verdejante. O motor emudece junto à porta que comunica com o passado, as suas passadas, largas e firmes, avançam rumo ao torreão mais alto. O rosto, crispado, encerra no seu mutismo uma ferida reaberta pelo carimbo caótico do seu passado que lhe embeleza a firmeza do seu fragor futurista. De pé, sobre a muralha, visualiza, revitalizado, a profundidade do seu objectivo. Abre os braços e voa, em um voo picado pelas águas memoriais do seu passado. Sequências de claridade por entre os tentáculos da noite que se aproxima, voraz e eterna.           
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H10, as 15H35 do dia 01 de Fevereiro de 2013, as 14H45 do dia 05 de Fevereiro de 2013, as 14H57 do dia 06 de Fevereiro de 2013, as 14H50 do dia 07 de Fevereiro de 2013, as 15H21 do dia 08 de Fevereiro de 2013, as 16H18 do dia 11 de Fevereiro de 2013, as 16H17 do dia 13 de Fevereiro de 2013 e as 14H57 do dia 14 de Fevereiro de 2013. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

FUTURO ESSE GRANDE MESTRE DA VIDA

Os olhos vendados de quem espia pelos olhos, usados como serventias da rapina, são a tentação miserável de quem, cobardemente, exulta com a presunção de ser quem não é. A alegria de quem se envolve com os bastidores destes disfuncionais, é o exemplo flagrante de que o ser humano, quando posto à prova, opta, quasi sempre, pela via sedutora da falsidade. Não se trata de uma afirmação leviana, mas de uma realidade concreta que contacto, em cada passo dado, e que, firmemente, a mim se me ofereçe, diariamente. É a tosse convulsa do mistério. Na paisagem da varanda mental, a bitola dos carris divergem, por defeito, da sua sedução verídica, em nome do tempo saqueado e do seu ajuste à realidade de quem os fertiliza com o seu monitor de palavras surripiadas e não com a pureza da boca que as escreve, não por obrigação de qualquer espécie, mas, simplesmente, porque o prazer pessoal se sobrepôe a todo o tipo de mentiras que, infelizmente, proliferam, por aí, como vândalos de mentalidades, tacanhos e mesquinhos, que, em doses de esforços comprados, investem contra os tímpanos e contra os olhos que, ingenuamente, se contorcem de gozo com as lamechas da paródia e da cretinice, revelando a idiotice pegada, a infantilidade e a pulhice escandalosa exercidas sobre quem não se pode defender, por ocultação sistemática dos seus autores. O apoio que recebem é, sem dúvida alguma, pérfido e odioso, por congelarem e manipularem os recheios de composições que são lavradas nos pisos térreos de uma autoria que é, sistematicamente, estropiada e escondida, para que os golpes de mão sejam dados viciados e despuradamente ignorados como se o sabão ignorasse a sujeira que se debate, histericamente, em máquinas de objectivos rançosos. Porém, a igomínia não se fica por aqui como o comprova a sucção frenética de pensamentos originais para, com o maior dos embustes, se transformarem em originalidades, mutiladas e subtraídas à sua real origem, por quem nada fez para os parir e por quem é instrumento de um ilícito punido por lei, caso a verdade sepulte mentiras e a consciência da realidade ignore a leviandade da inconsciência profanadora de um bem autoral que é freneticamente razorado e substituído, sabe-se lá por quem. A língua bifurcada do veneno que se consome como vício castrador será vergada, mais dia menos dia pelo Futuro que é o grande mestre da vida.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H15, as 15H23 do dia 04 de Fevereiro de 2013, as 16H07 do dia 06 de Fevereiro de 2013, as 14H34 do dia 07 de Fevereiro de 2013, as 15H30 do dia 08 de Fevereiro de 2013, as 15H11 do dia 11 de Fevereiro de 2013 e as 14H42 do dia 13 de Fevereiro de 2013.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXVIII - TEMPESTADE SOLITÁRIA

Gomo a gomo,
gota a gota,
o sumo deste corpo urbano
esfarela-se
como folhas de Outono.
A noite da cidade
é a cor do meu olhar,
sombras que me oferecem sorrisos,
sorrisos que são o pranto
da vida que se consome,
do luto que a pele veste,
da ausência que o amor tece
em dobrados de cintura fina.
Passo a passo,
a amplitude da sonolência
abraça a luta do silêncio,
emagrece a morfina do seu brilho
e oferece às carícias dos dedos
a bica do consumo rápido.
Sensível,
o sangue queima o desejo,
busca na fluência do seu estado
o porto da infância
onde as palavras brincam
com as células da fecundidade,
com os baloiços da tempestade
que endoidecem o medo
e serenam a coragem
a que um tédio peculiar
se aconchega, fortuito,
por desconhecer que a vida
é um molde de consequências avaras.
Dedos erráticos
navegam, digitais,
por dentro das palavras mudas,
rasgando ruídos,
filtrando silêncios,
erguendo, na planície dos calo estéticos,
o edifício caloroso
de uma tempestade solitária.
Nela, perco os sentidos
das grades que bocejam
e dos olhos que esmiuçam
a grandeza das suas minúcias,
o espectro agudo
da constelação infinita,
essa longevidade irreal
de nascer e morrer
na audácia da verbalização urbana.
Passo a passo,
gota a gota,
sou a doçura da água
e o sal do mar
onde quem sou
serei o que sou.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 16H24, as 16H00 do dia 04 de Fevereiro de 2013 e as 15H00 do dia 05 de Fevereiro de 2013.