quinta-feira, 14 de março de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - III

Os pais eram adjectivos sem substância carnal que edificassem uma filiação que o acaso abasteceu como fruto de uma constelação sem brilho. De ascendência aristocrática moviam-se, com frequência, em salões idealistas, onde conversas tranquilas abasteciam as sinopses de filmografias pessoais e, por vezes, de uma intimidade assustadora, não por ser sanguinária, mas por preencher as lacunas sombrias de uma génese incubadora: o fascínio poderoso pela linguagem dos lobos, em noites de lua cheia. O repúdio de uma jornada formatada em cubículos de farsas desnatadas, obrigava-os a escapulirem-se para onde as paisagens grotescas de uma certa vida orgânica não eram mais de que um vestígio ecológico dos seus prazeres psicológicos. Habituara-se a fugas sistemáticas, a viagens e a ninhos que não passavam de meros refúgios de circunstâncias onde abundavam os desejos de isolamento humano e o sumo científico da universalidade plena. As imagens corriam tão céleres como o voo picado que lhe ferrava as ferraduras da memória, límpida e natural, na consciência da sua temporalidade. Aprendera, graças ao desvelo educativo dos seus pais que a fusão entre o conhecimento humano e o estado vivo da natureza fora a osmose gratuita da sua ciência mental. O tempo é uma obscuridade em que viaja, sem relutância, mas a sua acentuação vegetal transporta-o para a idade em que a educação o transferiu para os interiores renovadores da secura urbana onde aprendeu a ser entediante perante uma natureza humana que o destituía de sentidos e o pejava de aventuras amorosas, tão possessivas, que o seu corpo, encharcado de complexidades maduras, se esquecia que a imaturidade era a virilidade dos seus presentes e a irrigação do seu inconsciente com os fervores, algo apocalípticos, dos estertores que lhe banhavam a lucidez de uma estética moral que o conduzia a fatalidades de que se livrava com a poeira molecular do alheamento. O voo, cada vez mais veloz, multiplicava-lhe o painel híbrido das inconstâncias juvenis que, num fresco mal pintado, lhe bebia a luminosidade de um quadro adolescente que o marcara, profundamente, com as raízes gigantescas de um alcoolismo amoroso que lhe envenenou a liberdade da propagação vivificadora.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, em 06 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H07 e as 15H10, em 07 de Março de 2013, entre as 11h54 e as 12H04 e entre as 13H09 e as 13H23, entre as 15H01 e as 15H31 do dia 08 de Março de 2013, em 14 de Março de 2013, entre as 15H39 e as 16H04.