quinta-feira, 11 de abril de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXXII - POEMA INÚTIL

Cuidar do poema que adoece
é estrangular a prescrição do medo,
é arejar a docilidade do tempo
e libertar o fôlego saudável do seu tempêro.
O poema estremece de prazer,
é amor que floresce
por entre os lábios lamacentos do seu nevoeiro invisível,
socorrendo a decrepitude natural
do luto que o encobre,
mal o vaticínio do desprezo
vacina a pena criativa
com o rubor feminino que o enlaça em sorrisos
para que o seu espaço vital
seja o enredo estimável da obra plena.
O poema é esta faca afiada
que me rasga a sensibilidade,
é sangue que rompe o silêncio,
é lava que cega a noite,
é esta garganta de cicuta
que amputa os delírios da raiva
para que o parto da escrita
seja o débil ódio da fome
a escravizar a agonia da sua pose fotogénica.
Fotograma a fotograma,
a objectiva oculta
seduz o vigor da vivacidade,
divaga por entre lampejos de fogo,
revela os quadros mortíferos da sua tempestade final.
O poema vence a inutilidade de ser inútil.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 11 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H30 e as 14H58.
Postado, no blogue, em 11 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H10 e as 15H22.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

FRICÇÕES XIII - CHANTAGEM POLÍTICA

O Senhor Olli Rehn, Comissário Europeu dos Assuntos Económicos e Financeiros, ao afirmar que o prolongamento do prazo de reembolso dos empréstimos europeus, a Portugal, estará dependente das medidas que o Governo português tomar, em substituição das normas chumbadas pelo Tribunal Constitucional, é uma inadmissível chantagem política, cuja postura revela o sintoma doentio em que vive a União Europeia, onde a Democracia política é substituída pelo projecto decadente de uma economia falida. Portugal não se pode submeter a tão profunda falta de senso por parte da União Europeia. O Futuro não é o passado.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 10 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H50 e as 14H18.
Postado, no blogue, em 10 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H29 e as 15H35. 

terça-feira, 9 de abril de 2013

FISGADAS POLÍTICAS - XII - SENHOR JOSÉ MANUEL DURÃO BARROSO

Estranho que o Senhor José Manuel Durão Barroso apele a consensos, em Portugal, quando o devia  estar a fazer no interior da União Europeia que, neste preciso momento, se assemelha a um comboio movido a carvão, em que a locomotiva - adivinha-se facilmente quem - puxa 26, em breve 27, carruagens, não de passageiros, como seria natural, mas de mercadorias, e, muito especialmente, de carvão, muito carvão, para alimentar a dita cuja. E saiba o Senhor José Manuel Durão Barroso que os portugueses não estão a brincar às escondidas, estão a trabalhar e, cada vez mais, como lhes tem vindo a ser imposto, com a finalidade de serem mais competitivos, ou seja, para que o carvão seja mais barato e sustente a fome da locomotiva. Que raio de Democracia é esta, não me dirá? Consensos, o Senhor apela a consensos, pois que lute por eles, onde eles são mais necessários, exercendo, desse modo, com a plenitude das suas aptidões - fracas a meu ver - as funções que lhe advéem do cargo para que foi nomeado.
E, quanto a consensos, estamos conversados.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 09 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H01 e as 14H36.
Postado, no blogue, em 09 de Abril de 2013, na Bilioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H53 e as 16H08.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXXI - QUE IMPORTÂNCIA ISSO TEM?

Por onde passo,
por onde passei,
por onde passarei,
que importância isso tem
se não passo de um nado morto da palavra?
Respiro por respirar,
durmo por dormir,
vivo por viver,
que importância isso tem
se as páginas que escrevo
são sílabas da noite que não amanhece,
são fibras de vento que não se ouvem?
Estes passos que ritmos não têm,
são sombras que se alugam às manhãs nocturnas,
bocas seminais
que, no universo da vida,
percorrem as vielas secundárias
das aduelas urbanas,
erguendo os fusos horários
de um tempo inóspito.
Por onde vou,
por onde fui,
por onde irei?
Que matriz de sangue é esta
que se esvai por entre o medo de não o ter,
apagando o riso à garganta seca
e acendendo à luz eléctrica do cacimbo
os faróis da claridade
que espantam o negrume do silêncio
e vestem ao corpo das monções
a brisa calculada de um encanto pueril.
Onde estou,
onde estive,
onde estarei,
que importância isso tem
se sou esta morte de fera viva.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 08 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H10 e as 14H51.
Postado, no blogue, em 08 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H18 e as 15h31.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - IV - ÚLTIMO

O crepúsculo da sua viagem finita é um opúsculo de infinito incurável. Cada gaveta memorial abria-se e fechava-se de acordo com o argumento cinematográfico que explodia dentro de si, como vulgares correntes de ar que lhe constipavam a razão, instantaneamente enfurecida, por não se fixar, com nitidez, em cada um dos repentinos bolsares, esses paralípticos de consciência inconsciente. O palco é uma vertigem de socalcos adolescentes onde o chocolate carnal lhe feria a vivacidade juvenil. Tez leitosa, pintalgada por gostosas sardas, lábios pintados de roxo, cabelos ruivos e corpo encrespado pela pureza da sua volumetria. Um piercing criteriosamente exposto na sua língua que, a sua, polvilhada de languidez, lambia como se testasse a profundidade de uma toca voluptuosa...A paixão foi a droga que tudo aniquilou. As mãos, sinuosas, libertaram a lascívia de uma morte vingativa. A separação, inevitável, não encorporu o evitável...As cinzas afogaram-lhe as mágoas, crivaram-no de sedativos ridículos que lhe ridicularizaram as pétalas figurativas de visões crepusculares. A timidez das farpas rasgaram-lhe a carne, varrida pelas febres de alucinações que as preces dos desejos mórbidos, transformaram no apocalipse de um precipício irreparável... O voo esgotou-se. Nada, a não ser um baque surdo, acolchoou a verdade de uma ficção que se ficcionou a si mesmo. A serenidade embelezou o segredo de uma fome saciada.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 05 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H05 e as 16H05.
Postado, no blogue, em 05 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 16H12 e as 16h32.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

FRICÇÕES - XII - ANORMALIDADES CONSTITUCIONAIS

Um Governo não pode governar por acaso, ou melhor, ao acaso. As medidas que toma, as leis que legisla são eivadas de consequências que se vão repercurtir por toda a Nação. Ignorar tal facto, revela inaptidão governativa. Porém, o que um Governo não pode, sob pena de revelar profunda ignorância, é desconhecer  a Constituição, é apresentar um OGE sem cuidar de saber se o seu conteúdo pode, ou não, incluir normas inconstitucionais. O Tribunal Constitucional, e o Governo sabe-o melhor do que ninguém, tem como função fundamental detectar, ou não, inconstitucionalidades, mas mais do que isso os Senhores Juízes que compôem o Tribunal Constitucional não vogam ao sabor de interesses alheios, nem podem condicionar as suas decisões, sob o pretexto vago de um interesse nacional subjectivo como resultado de uma ignorância. A Constituição é a matriz fundamental por que se rege a legislação nacional. Infringi-la ou pretender que ela seja infringida, demonstra, acima de tudo, um índice de afronta muito grave. Neste caso, como em muitos outros, a imparcialidade de um Juiz é tão fundamental como fundamental é a Constituição portuguesa. 
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 01 de Abril de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H45 e as 16H31.
Postado, no blogue, em 01 de Abril de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 16H35 e as 16h57.

quinta-feira, 28 de março de 2013

FRICÇÕES - XI - SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Tem toda a razão do mundo, o Senhor Presidente da República, ao afirmar que as lutas partidárias não contibuiem com um cêntimo para a economia portuguesa. Provavelmente, por lapso momentâneo, estou certo, esqueceu-se de nomear as forças de bloqueio. Porém, acredito, piamente, que o Senhor Presidente da República, não desconhece, o que seria um erro terrível, que a riqueza de uma Democracia se baseia nas diferentes concepções políticas de sociedade que, cada um dos partidos, concebe para o nosso país. Ora, se isto é uma prova irrefutável de liberdade democrática, seria lesivo para a Nação que os seus cidadãos  não pudessem perceber quais as diferentes perspectivas políticas para a resolução da crise em que vivemos. Resumindo, e, concluindo, o que está em causa não são lutas partidárias, mas sim saber qual a metodologia ideológica, ou, se achar mais correcto, qual a matriz que melhor se encaixa na reestruturação do desenvolvimento económico português. O Senhor Presidente da República, melhor do que ninguém, sabe que não é com auto-estradas a eito que se desenvolve uma planificação agrícola, industrial e piscícola. Como muito bem sabe, a memória e a História não são lutas partidárias, são exemplos vivos do que devia estar morto. A bem da Nação.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 28 de Março de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H20 e as 14H02
Postado, no bogue, em 28 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H22 e as  14H04.

quarta-feira, 27 de março de 2013

HARMÓNICA BLUES - VII

Nuvens negras moviam-se, lestas, de Norte para Sul. Os diabinhos rubros acelararam o skates e diminuiram a distância que nos separava da auto-estrada. O alcatrão parecia borracha queimada. Penetrámos na nuvem negra. Ficámos negros como o carvão. Os diabinhos praquejavam e, apenas, os seus olhos permaneceram violentamente rubros como se fossem lanternas incendiando a noite. Vindo não se sabe donde, Deckard passou diante de nós e gritou:
- Fujam! A tempestade está no seu auge e a violência é um vendaval dos diabos.
- E o Norte?
- Quero lá saber do Norte!
Os diabinhos, agora vestidos de negro, acelararam ainda mais os skates e berraram-me aos ouvidos:
- A ideia do Norte é uma idiotice.
- A batalha vai ser violenta. Voltemos para Sul.
- Nada a fazer o Norte é o nosso destino, dê lá por onde der.
Nisto, avistámos, mesmo à beira da auto-estrada, a Casablanca. Descemos, entrámos, sedentámo-nos e um dos diabinhos gritou:
- "Play It Again Sam".
O Sam atacou o piano e dedicou-nos "As Time Goes By", mesmo no instante em que nos afastávamos do local que principiava a arder. Mesmo assim ainda ouvimos o Bogart a gritar para o Nick Cave: "Isto ainda vai ser o princípio de uma bela amizade", ao que Cave respondeu vociferando: "Release The Bats", "Release The Bats".
Os diabinhos manejaram os skates e estes rumaram ao Norte que era, ao longe, uma mistura da cegueira nocturna que atravessávamos e o vermelho condensado do inferno de Dante. Não muito longe dali, avistámos o Pepe Carvalho que se divertia a lançar mais um dos seus livros, acabados de ler, para a fornalha do tempo, aproveitando para nos gritar:
- Se vão para Norte acendam os isqueiros que a fumaça enlouqueceu. Eu sigo para Oeste que o criminoso já não me escapa.
Os diabinhos praguejaram de novo e embalaram os skates para Norte, sempre para Norte, enquanto, eu, e a minha harmónica aquecíamos ainda mais o temporal com o blues "I´d Rather Go Blind". 
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 27 de Março de 2013, escrito na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H00 e as 14H24.
Postado, no blogue, em 27 de Março de 2013, na Biblioteca Naconal de Lisboa, entre as 14H31 e as 14h58.

terça-feira, 26 de março de 2013

APITOS BOLÍSTICOS - VI - SELECÇÃO NACIONAL

Que não haja ilusões! Se a Selecção Nacional não vencer o seu jogo de hoje, o Mundial, no Brasil, não será mais do que uma triste miragem. Que a psicologia da ambição funcione, que os jogadores se transcedam e façam o que têm a fazer: vencer o jogo.
Quanto ao quadro de jogadores que o seleccionador escolhe para o jogo, escapam-me razões para não ver em campo o Paulo Machado e o Danny. A consistência do meio campo aumentava e o ataque melhorava, sem dúvida alguma, com um excelente vagabundo atacante. Acresce que eles têm a forte postura, física e mental, que lhes é fornecida pelo tipo de campeonatos em que jogam. A sua exclusão, para mim, é um mistério.
Que vençam! É tudo quanto se lhes pede.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 26 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H44 e as 15h00.

segunda-feira, 25 de março de 2013

MINIATURAS - XIII

A VERDADE QUE O TEMPO OCULTA, É A MENTIRA QUE A CIÊNCIA DESVENDA.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, em 25 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 15H48 e as 15H51.

quarta-feira, 20 de março de 2013

O AMOR DE NÃO O SER

Sentado, em um banco do jardim do Príncipe Real, observo a elasticidade da vida que passa, zumbindo, diante dos meus olhos. Consulto o meu Swatch. São horas de me encaminhar para o Instituto Britânico. Pego na minha pasta da Tapioca, ligo-me ao iPod e aos Palma Violet e, sem pressa, tenho tempo, levanto-me e caminho por entre árvores sem idade, por entre corpos que dialogam, em conversas banais, em conversas amorosas. Desço a rua, entro na livraria, fronteira ao Instituto, e consulto o espaço dedicado aos livros de música. O Swatch apressa-me. Entro na classe do sétimo ano. Ao entrar, a verdade estremece-me o corpo, aumenta-me o ritmo cardíaco. Ao vê-la, deixo de ver; o professor e os outros alunos são apenas esculturas de carne viva que se enclausuram em um quadro vivo de aparências teatrais. Os seus olhos, de uma claridade assombrosa, encontram-se com os meus, acenam-me sorrisos e, eu, corpo dançarino, envio-lhe uma saudação repleta de alegrias que, verdade seja dita, só este meu sentimento de jovem seduzido, compreende em toda a sua verdadeira extensão. Neste entorpecimento amoroso, o professor é um ruído de fundo, uma voz que nos explica o que não sei explicar, um relatório qualquer que me desgosta o gosto da sua presença divinal. O tempo não tem obstáculos, mas a minha timidez é um obstáculo. A sineta soa, aos meus ouvidos, como uma canção de embalar. Saiem todos, saio, eu, sai, ela, saímos para o mundo da consciência aberta, fechando os meus desejos, ocultando, mais uma vez, a razão das minhas razões. Junta-se, alegre, ao seu grupo habitual e, eu, pego no meu corpo, sem destino, e fujo, literalmente, do brilho que me encadeia os passos, lentos e tensos, e escondo-me, em um canto da esplanada, no jardim do Príncipe Real. Abro a pasta e, dela, retiro os "Diários" de Al Berto. Com eles sigo por onde nunca seguirei. Eis-me inteiro e dividido entre o gosto de ser amado e o desgosto de não o ser.       
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 20 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H20 e as 15H14.

segunda-feira, 18 de março de 2013

A DÁDIVA DA VIDA

Subiu as escadas. Mora em um sétimo andar das Avenidas Novas. Quasi sem fôlego tirou as chaves do bolso e entrou em casa. Tirou os sapatos cor de cinza, estirou-se na cama e respirou aliviado. Colocou os headphones na cabeça e ligou o iPod. Uma mescla de sonoridades suavizou-lhe o coração, adormeceu-lhe a tensão de um dia agitado. Jantou fora, bebeu demais. Sábado, 01h30 da madrugada.  Pensou na vida, amontoaram-se as dúvidas de uma existência febril e de uma vadiagem noturna que o assustava como se fossem as dores de um parto difícil. De olhos fechados, sentia-se leve como uma nuvem arrastada pelo vento, grávida de lágrimas, choro que não o libertava das mágoas em que se consumia todas as vezes que uma das faces do seu namoro transpirava um nevoeiro de desejos incontroláveis. Não receava desatar os nós que os prendiam, mas a solidão implorava-lhe que rejeitasse a tristeza de uma decisão que o afastava da vivacidade e de uma adolescência que se recusava abandoná-lo. Vinte e um anos era o início de uma viagem, clara e doce, e não um desprezo que a menosprezasse. Porém, por muito que a claridade lhe viciasse o clamor das ideias, uma espécie de formigueiro mental imobilizava-lhe o prazer da vida. Cansado, sem saber porquê, levantou-se, abriu a janela do quarto e sentiu uma força irreprimível de esquecer a vida e abraçar a morte. Desejo inútil, mal divisou, diante do seu olhar, o rosto terno da sua namorada que, com os seus cabelos compridos batidos pela suavidade do vento, lhe oferecia um dos seus mais belos sorrisos. Fechou a janela, visitou a cozinha, fez uma sandes e retirou do frigorífico um sumo de manga.  Sentou-se na cadeira de baloiço e pensou na estrada com que o Futuro o visitava. Frequentava a universidade, sonhava com uma licenciatura, mas observava no horizonte uma chuva miudinha de mágoas que o entontecia com um formigueiro de dúvidas percorrendo os seus carreiros de projetos dissolvidos pela fragilidade dos tempos em que vive. Um repentino gesto de enfado fatigou-lhe o corpo, despertou, no mais profundo do seu ser, a vontade férrea de enganar a realidade e fustigar-lhe o castigo com a decisão inabalável de restituir ao seu corpo, meio anestisiado, a vitamina emancipadora de ser um fruto apetecível na vasta amargura de um cosmos laboral que lhe irrita, profundamente, a dávida vida. Levantou-se, com um sorriso nos lábios, estendeu-se, na cama, e adormeceu abraçado ao seu velho urso de peluche.      
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 06 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H54 e as 16H04, em 07 de Março de 2013, entre as 12H50 e as 13H10, em 11 de Março de 2013, emtre as 16H12 e as 16H29, em 18 de Março de 2013, entre as 14H44 e as 15H01.

APITOS BOLÍSTICOS - V - FUTEBOL CLUBE PORTO

De um portista, para muitos outros portistas, e, não só.
Aqui vai uma pergunta, fundamental e fundamentada, ao Senhor Vitor Pereira, treinador do Futebol Clube do Porto: Quem deles é o melhor, Castro ou Defour, Atsu ou Varela, James ou Izmaylov? E Sebá e Kelvin? Bem sei que desconheço a metodologia de treino do Senhor Vitor Pereira, mas o meu conhecimento futebolístico, que pode não valer grande coisa, reconhece, facilmente, a importância do contínuo aperfeiçoamento técnico-físico e, especialmente, psicológico de todos os jovens jogadores que se encontram, ainda, em uma fase cruxial de crescimento dos seus índices futebolísticos. O Futebol Clube do Porto não pode desperdiçar talentos, simplesmente, por ausência de metodologias de treino, específicas de jovens que estão em início de carreira, não esquecendo, é claro, as correspondentes mais valias que tais ativos representam, sendo responsáveis por futuras receitas, em resultado das vendas dos seus contratos, receitas que, como todos os portistas não desconhecem,  tanta falta fazem ao clube. Eu sei qual é a resposta, mas não me pronuncio sobre ela, embora ela esteja, claramente, explícita.
Porém, não me vou embora sem que faça outra pergunta: O que têm de comum os jogadores, Paulo Machado (Olympiakos), Vieirinha (Wolfsburgo), Josué, Caetano, Manuel José (Paços de Ferreira), Ukra (Rio Ave), Helder Barbosa (Braga) e Candeias(Nacional). Como é evidente, eu, sei qual é a resposta. Será que todos os portistas a sabem?       
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Manuscrito de 17 de Março de 2013, Escrito no Bar Terraço do Centro Cultural de Belém, entre as 13H05 e as 13H30.
Corrigido e postado, em 18 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H32 e as 14H02

sexta-feira, 15 de março de 2013

NAS ASAS DA NOITE

Estou sentado em um degrau de um dos prédios de uma rua do Bairro Alto. Do meu lado esquerdo, encostada à porta, jaz uma Kora; do meu lado direito, sobre o degrau, descansa uma garrafa de sangria que vou bebericando de quando em vez. Os meus olhos, ligeiramenete enevoados, acompanham o estranho movimento ondulante da rua. Tento pensar em algo que me distraia, mas os pensamentos, primeiro, aglomeram-se, incandescentes, depois, esfumam-se como de fossem argolas de fumo, construidas a partir de um cigarro que se imagina, de um tempo que se evapora por entre os passos tumultuosos de corpos que se envolvem com os ritmos da noite, em um frenesim de contos inacabados. Coloco a Kora entre as minhas pernas, afago-lhe o corpo envelhecido pelo uso e permito que os meus dedos perturbem o sossego das suas cordas, sequiosas de propagarem pela noite os poemas sonoros do seu encanto. A Kora e eu somos um corpo único, beleza das belezas musicais que bandos de jovens vão ouvindo, passando, ou sentando-se, à nossa frente, em um semi-círculo de jovialidade noturna. Os meus olhos fixam-se em uma janela de um prédio diante de nós. Abre-se, de par em par, deixa que os sons penetrem de mansinho pelos sonhos de um sono desconhecido. Dos meus dedos soltam-se notas que, de início, flutuam, para, depois, voarem como pássaros em busca dos seus ilimites despovoados, essa sensação de liberdade que envolve as pupilas do meu prazer e desfilam como imagens cinematográficas de um filme em que o argumento é este vagabundear sonoro pelas veias da vida. Há jovens que bebem, há jovens que dançam por dentro das suas memórias difusas, como que espelhando pela noite dentro as sombras vinícolas dos seus desejos mais ardentes. Uma espécie de magia negra apoderou-se do meu corpo que, lentamente, se foi diluindo até que, eu, e a Kora, em metarmorfoses de um tempo desconhecido, abraçámos o voo discreto do corvo de Poe que, sobre o parapeito da janela, segredou aos ouvidos da noite, "nunca mais". E nunca mais, eu, e a Kora, somos.       
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 07 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H09 e as 14H21, em 12 de Março de 2013, entre as 14H02 e as 14H20, em 15 de Março de 2013, entre as 15H43 e as 15H59.

CRITICARTE - XX - CRÍTICA PICTÓRICA

A crítica é o fascínio humano de tudo ver, criticando as aparências de tudo o que não se vê, para que se veja o que nada se sabe. É a liturgia do silêncio nas raízes do ruído. O pintor pinta com os dedos do seu pensamento, ostenta, na finitude das suas obras, a elasticidade de um seu mundo vivificador e de uma marginalidade que seduz uma tempestade de luz que se sente nos sentidos de quem a observa. Tintas, os dedos, o pincel, as mãos, as colagens, o carvão, a aguarela, o pastel, a serigrafia, a musculação de uma arte em tudo o que no cérebro floresce. Obras primas, obras senis, obras fictícias, quem as encadeia no esplendor ou na morte da sua fruição? Será o crítico que lhes inventa a cobiça da sua originalidade ou serão os olhos de quem as analisa, com a pureza da sua sensibilidade, e lhes descobre, nos opúsculos do seu dinamismo estético, a magnificiência, a magnitude de um sentido que, em sentidos diversos, é tocada, profundamente, pelos labirintos sagrados de uma aparição de magia e de fascínio que liberta o espírito de uma nova liberdade criadora: Todos somos críticos, todos somos revelação. E que mundo espantoso se pode desdobrar nas malícias do olhar que o espreita, nas delícias da sensualidade que uma sensibilidade mais criativa impõe à partilha dos sentidos. Eis a fonte que brota dessa família pictórica que nos devora o prazer ou nos destrói o orgulho e o preconceito de lhe desfrutar o ódio ou o amor a uma arte que nos consome a vida com a linguagem universal de uma ilusão que a realidade transforma no fascínio do deleite. Toda a crítica é a visualização de uma imagem que nos decora a razão da nossa racionalidade ser irracional. Toda a obra é um modelo que nos encena o epitáfio do luto que o silêncio ensurdece.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 07 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 13H26 e as 13H32, entre as 15H39 e as 16H01 do dia 08 de Março de 2013, em 15 de Março de 2013, entre as 13H29 e as 13H56.

quinta-feira, 14 de março de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - III

Os pais eram adjectivos sem substância carnal que edificassem uma filiação que o acaso abasteceu como fruto de uma constelação sem brilho. De ascendência aristocrática moviam-se, com frequência, em salões idealistas, onde conversas tranquilas abasteciam as sinopses de filmografias pessoais e, por vezes, de uma intimidade assustadora, não por ser sanguinária, mas por preencher as lacunas sombrias de uma génese incubadora: o fascínio poderoso pela linguagem dos lobos, em noites de lua cheia. O repúdio de uma jornada formatada em cubículos de farsas desnatadas, obrigava-os a escapulirem-se para onde as paisagens grotescas de uma certa vida orgânica não eram mais de que um vestígio ecológico dos seus prazeres psicológicos. Habituara-se a fugas sistemáticas, a viagens e a ninhos que não passavam de meros refúgios de circunstâncias onde abundavam os desejos de isolamento humano e o sumo científico da universalidade plena. As imagens corriam tão céleres como o voo picado que lhe ferrava as ferraduras da memória, límpida e natural, na consciência da sua temporalidade. Aprendera, graças ao desvelo educativo dos seus pais que a fusão entre o conhecimento humano e o estado vivo da natureza fora a osmose gratuita da sua ciência mental. O tempo é uma obscuridade em que viaja, sem relutância, mas a sua acentuação vegetal transporta-o para a idade em que a educação o transferiu para os interiores renovadores da secura urbana onde aprendeu a ser entediante perante uma natureza humana que o destituía de sentidos e o pejava de aventuras amorosas, tão possessivas, que o seu corpo, encharcado de complexidades maduras, se esquecia que a imaturidade era a virilidade dos seus presentes e a irrigação do seu inconsciente com os fervores, algo apocalípticos, dos estertores que lhe banhavam a lucidez de uma estética moral que o conduzia a fatalidades de que se livrava com a poeira molecular do alheamento. O voo, cada vez mais veloz, multiplicava-lhe o painel híbrido das inconstâncias juvenis que, num fresco mal pintado, lhe bebia a luminosidade de um quadro adolescente que o marcara, profundamente, com as raízes gigantescas de um alcoolismo amoroso que lhe envenenou a liberdade da propagação vivificadora.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, em 06 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H07 e as 15H10, em 07 de Março de 2013, entre as 11h54 e as 12H04 e entre as 13H09 e as 13H23, entre as 15H01 e as 15H31 do dia 08 de Março de 2013, em 14 de Março de 2013, entre as 15H39 e as 16H04.

terça-feira, 12 de março de 2013

SOBRE A MINHA MAQUINIZAÇÃO

É triste dizê-lo, mas há um certo número de pessoas, cujo raciocínio está formatado pelo embalo de mentes piolhosas que abusam, constantemente, da mentira para se assegurarem, a todo o custo, do negócio que mantêm, graças ao roubo autoral e à sucção de todos os pensamentos e de todos os escritos que, antecipadamente, desenvolvo, cerebralmente, porque fui, em tempos, maquinizado, sem que me fosse dada qualquer hipótese de escolha, sem me ter pronunciado sobre o que quer que seja. Nada mais me resta dizer que tais pessoas agem como cúmplices de uma atividade criminosa - não há que ter medo de lhes aplicar as palavras certas - ocultadas que são as suas verdadeiras identidades para que nada lhes aconteça. Resta saber porque razão todos eles se sentem tão à vontade em fazerem o fazem. Acresce que eu sou sócio da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) e que, portanto, tudo o que escrever se encontra protegido pelo Código de Autor e de Direitos Conexos. A chacota de tal situação faz parte da imbecilidade humana que há muito perdeu o senso da justiça e da verdade.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Retirado do manuscrito de 11 de Março de 2013, escrito no Comboio da Linha de Cascais, entre as 21H00 e as 21H11.
Postado, em 12 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 17H21 e as 17H41.

1970 - LAYLA - DEREK AND THE DOMINOS

Toda a hora é hora de ser sonoro. Todo o som produzido é o produto de um músico. Todo o músico que se musica é uma pauta de vida. A vida pode ser um encanto ou o desencanto de um encanto. Seguramente, este é o escrito de uma pauta. O encanto é "Layla" e o músico pautado dá pelo nome de Eric Clapton. Os intérpretes denominam-se Derek and the Dominos.
Clapton dedilha as cordas das suas guitarras como se os seus dedos fossem notas de sons, extraídas à pureza da sua sensibilidade. A lenda é longa, a sua memória, na história da música popular, é a memória das suas aventuras sonoras, desde que lá pelos primórdios dos anos sessenta embarcou na viagem dos Yardbirds, semi-divididos entre os blues e a pop que Clapton acabou por rejeitar para se envolver e integrar a bluesy banda de John Mayall, os Bluesbreakers. Foi durante a permanência nessa banda que Clapton ganhou o apelido de Deus dos Blues. Porém, a ânsia de explorar novos caminhos sonoros levou-o a formar com Jack Bruce e Ginger Baker o super grupo Cream  do qual relembro o magnífico album "Disrael Gears" e o soberbo "Sunshine of your Love".  Mas Clapton não era, não é, homem de uma só viagem e não tardou que os Cream se separassem. Com a vida em polvorosa - apaixonara-se pela mulher de George Harison - Clapton juntou-se com um grupo de amigos e, com eles, gravou um único album, sob o nome de Derek and the Dominos, do qual fazia parte essa fabulosa composição que dá pelo nome de "Layla". Esqueçam a versão acústica e mergulhem na ferocidade dolorosa da composição e, sobretudo, sintam a angústia suprema da dor que varre literalmente os nossos ouvidos com os delírios instrumentais da guitarra de Clapton e, especialmente, desse esplendoroso slidar de Duane Allman que, epicamente, quasi nos mata de dor. Depois, brota, não se sabe vindo donde, um som relaxante, um marulhar de tranquilidade que nos apela ao prazer da paz. "Layla" é, acima de tudo, um tema eterno, é uma composição para ouvirmos e sentirmos o que pode ser a dor humana. Ouçam-na, quando estiverem sós.   
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 07 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 13H56 e as 14H06, em 12 de Março de 2013, entre as 15H05 e as 15H39.

sexta-feira, 8 de março de 2013

FISGADAS POLÍTICAS - XI - O SENHOR ANTÓNIO BORGES

Mais uma vez o Senhor António Borges, um dos conselheiros-mor deste reino trôpego, veio a terreno para afirmar que os salários deviam descer. Pergunta-se, que salários: todos, os mais altos, o dele? Empobrecer é, na verdade, um dos seus maiores objetivos, uma das suas preferidas falácias, um ferrete ideológico da direita mais radical nas finanças dos portugueses. Aliás, eu, não percebo porque é que o país necessita de um conselheiro destes. De cada vez que fala, os portugueses são confrontados com a opinião miserável do seu vocabulário económico que é, nem mais, nem menos, do que uma inconsistência macro-económica. O país ficaria duplamente agradecido se tal Senhor fosse dispensado dos seus conselhos. Ficavam mais saudáveis os ouvidos dos portugueses e o Estado pouparia, sem qualquer espécie de dúvidas, uns euros chorudos que dariam, certamente, para pagar um certo número de subsídios de emprego a quem não os tem.     
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 08 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional de Lisboa, entre as 14H56 e as 15H10.

quarta-feira, 6 de março de 2013

FRICÇÕES - X - ESQUERDA E DIREITA

Sou de esquerda, mas não me revejo em nenhum dos vários partidos portugueses que se proclamam de esquerda. Decorridos que foram estes muitos anos de Democracia, ativa e baforenta, revolta-me que ainda não tenha sido possível a constituição de um programa comum de esquerda que seja racional, adaptado aos tempos que correm e sem o pavor em que incorrem por não considerarem que são necessários certos sacrifícios para nos pirarmos da crise em que balofamente caímos por anos e anos de incúria governativa. Espanta-me que não sejam capazes de se unirem para estabelecerem uma plataforma comum visando a área governativa, com objetivos muito claros e dotada de uma dinâmica construtiva que ofereça aos portugueses uma alternativa real a esta direita que nos afoga em águas de paralesia desenvolvamentista, mas que se sabe unir em torno do nosso desgoverno com medidas que são âncoras de uma falência coletiva que nos vai sair muito cara. É tempo de lhe combater a vitimização com que pretende justificar os seus erros de matemática, o seu desconhecimento absoluto das realidades portuguesas, a sua infantilidade macroeconómica, a sua falta de visão futurista, a incapacidade de medir as consequências dos seus atos governativos, como exemplarmente o demonstra o lançamento extemporâneo do porto de contentores para a Trafaria - será que a megalomania do TGV se transferiu para tal projecto, será que não será possível reconverter os estaleiros de Viana do Castelo, por exemplo, em apoio às pescas? -,  e de destruir, premeditadamente, graças à ausência de consumo, as pequenas empresas das áreas de comércio e de restauração, bem como a secundarização da cultura. O Governo fala em refundar o Estado, mas desconhece os reflexos do que ele representa no tecido social e económico nacional e ignora, sem preconceitos, os conceitos da demagogia económica em que lavra o estatuto das políticas que consome alarvemente.  Tudo fala de uma reindustrialização, mas todos desconhecem o modelo ou a sua planificação bem urdida, isto, duvido, se for realmente o que o país necessita para um processo de desenvolvimento saudável. Antes eram os clusters teconológicos que nos iam salvar a pele, agora são as indústrias extrativas que, segundo consta, com capitais estrangeiros, o que, objetivamente, significa que os capitais gerados serão maioritariamente canalizados para fora do país.  São estas questões de fundo que, a meu ver, terão de ser debatidas por toda esquerda e que deveriam servir de base para uma plataforma política comum entre todas elas. Se assim não for, temo que o país será um repasto para uma direita funesta. Urbi et orbi. 
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 06 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 13H04 e as 14H07.

terça-feira, 5 de março de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXX - ANZÓIS

Neste arrastão de peixe algum
a pesca das palavras
são anzóis
corpos dobrados sobre as águas
reflexo de dores exauridas
iscos de sabores campestres
que as humanas hostes
soletram à caverna do tempo
irrisório
cadavérico
sombras que a linha tensa
de uma gargalhada inaudível
transforma em ritos
gritos
lamentações de muros inadiáveis
adiadas que são as preces
orações sem orações
no dilúvio dos peixes cansados
almas que o desejo fustiga
que a morte encanta
nas mãos do pescador
vesúvios de júbilo
danças de canseira
sargos de sorrisos
pargos de lamentos
horas de ociosidades
nos olhos feridos
da vida por viver
soluçam os peixes
lágrimas humanas
na pesca do futuro.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 05 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H40 e as 16H04

O SENHOR PINTADINHO DE FRESCO

O Senhor Pintadinho de Fresco é uma aguarela básica no modelo estonteante de um mural urbano. A sua juventude decadente é um anúncio publicitário a que todos os pimpanelas escarlates fazem vista grossa porque o seu traço fino se revela audacioso e, ao mesmo tempo, pernicioso, na estética de um humor trágico-cómico.  A visão futurista do seu papel, na fantasia acrobática do digitalismo fotográfico, baseia-se na composição hermética de uma idiotice lunática, versão agnóstica que um qualquer pigmalião não desdenharia. O Fresco é uma fatalidade que todos aplaudem, uma vinheta que todos carimbam, uma lombada em que todos reconhecem a beleza automática de um figurino maningue crepuscular.  O cenário burlesco das suas parabólicas demencionais é uma página cromática na orla costeira de uma banda desenhada onde as tiras dos seus episódios basculantes  são relevos emocionais que as bacantes baconianas rejeitariam ao pressentirem, nos seus discursos diretos, as aleivosias dos caroços cuspidos. O Senhor Fresco é uma apoplexia ambulante, é um fracasso do sucesso que todos lambem com a tinta da paranóia mirabolante. Adoram-no quando passa, varrem-no para os confins da ignorância logo que o seu estado é abúlico e tendencialmente prevertido. O Fresco é um gelado no fogo da noite e um marginal nas garras de um monte velho. Pode ser um espanto logo que a língua se solta, mas equivoca-se ao embater nos punhos absurdos da compreensão que, a pastel, argumentam bué de calafrios, em que o auge das suas cenas são vagas teatrais de uma comédia brejeira. O Senhor Fresco gosta de se pôr ao fresco mal se apercebe de que as contingências da vida são apóstolos acariciadores de vernáculo que nem judas se atreveria a desdentar. Há quem desconheça o Senhor Pintadinho de Fresco, mas o tempo que por ele passa reconhece-o em cada pincelada que o moralista do mural o desmoraliza. O Fresco, de fresco não tem nada, a não ser  o resumo itálico do seu pavoneamento colorido.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 05 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 13H29 e as 14H34.

FRICÇÕES - IX - O ESTADO

Perguntar não faz mal e a pergunta que se segue considero-a pertinente. Quando o país atingir os picos dos juros a pagar aos seus credores, quando tiver privatizado tudo o que havia para privatizar, não recebendo o Governo os montantes que ainda vai recebendo por comparticipação estatal,  quando atingir o pico da taxa do desemprego com reflexos na receita para a Segurança Social e a prometida redução da despesa com o Estado, aonde é que o Governo vai buscar as receitas necessárias ao cumprimento da redução do défice nos próximos três anos?  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 05 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 12H50 e as 13H11

segunda-feira, 4 de março de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXIX - NESTE BALDIO QUE SOU

Neste baldio que sou
sou o antes de tudo e o depois de nada,
sendo raro onde estou
e, pleno, em uma conversa, fustigada
pelo o olhar da ausência,
pela boca de uma carência
que veste a nudez
de uma venenosa mudez,
com epitáfios de surdez.
Neste vício que morde
a dureza de uma inocência,
há um breve acorde
que socorre a insolvência
e devolve à aparência
a natureza de um fiorde,
precipício de sons,
baldio fresco de tons
que dedos de tudo
e dentes de nada
revestem o corpo ossudo.
São conversas de esplanada,
ouvidos que tudo ouvem
em sentidos que nada sentem.
Neste baldio em que vivo
a desordem é um sorriso
e, o silêncio, o cativo
que é um ponto que piso
ao amanhecer que anoitece
e à noite que entontece
este baldio que sou
sem saber onde estou,
passando por passar,
vagando, sem vagar.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 04 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H13 e as 15H49.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

INTIMIDADE

Intimidade. Que sabor tão estranho na saliva diária da sonolência, que raiva tão íntima de não ser íntimo de nada. Despir a nudez e vestir a magreza do sonho violado com o alfabeto da timidez urbana é um sentido, sem sentido, dos sentidos que não se sentem. Presença de espírito, gritam os fantasmas da ópera, algemados à geada emocional de não haver emoções à flor da pele. São íntimos da intimidade, mas revelam a fragilidade de uma infância que permanece austera no corpo de uma idade vertiginosa, em concertos de vida. O maestro e o músico são uma e a mesma personagem ao relento de uma atmosfera híbrida. Nada consola a intimidade. O desconsolo é uma imobilidade na batuta da sua sequência filmada. Vesti-la com segredos de cor, é bani-la com as banalidades de um diálogo inócuo. Intimidade, que fraqueza tão anónima no busto de uma centelha fugaz! Sagrado é o fogo que preside ao seu prazer de tudo ser, nada sendo. Intimidade! Que estranho eco, esse, o que ressoa na profundidade perpendicular de um átomo decadente. Despenteia emoções, vagueia, incólume, no universo do seu desconhecimento, é, ridiculamente finito, na inocência noturna da sua verticalidade autónoma. Não a habito se, nela, me reconheço. Sou um estrangeiro na face da sua mudez, sou um seu passageiro no bafo tricotado pelos dedos sonoros do silêncio. Intimidade! Vaga, no pudor, astuta, no ritmo ágil da sua cadência imutável. Intimidade! Ardente, na verdade pétrea do seu consumo, eterna, na pureza do seu instinto. Intimidade! É este corpo inteiro que, em nome da sua verdade, renasce, a cada passo dado, para além de todas as suas partículas sensíveis. Intimidade!
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 28 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H00 e as 15H08.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

DIÁRIOS - VI

Descer a Avenida da Liberdade, banhado pela luz lânguida dos candeeiros, é descobrir, em cada passo nocturno, a brevidade de um acto desmedido. As sombras que me acompanham, dialogam, em compassos teatrais, no palco amargo de uma vida que se afaga com os carinhos de um corpo imaterial.  O desejo é uma fonte inesgotável de prazeres escondidos que navegam, tranquilos, sobre as águas prateadas do rio Tejo. Partem em contentores de ficções, em cargueiros que se desvanecem  no ócio esbatido do horizonte, entre assombros de partículas sonhadas. Toda esta ventilação sonora pousa sobre o meu olhar, com asas de sono, com o bico da insolência depenicando as amarras que me atracam ao porto da inocência. O que é a noite senão um abraço fleumático de partidas e um arrufo  de encontros imaginativos nos fulgores da madrugada.  Atravesso a sonoridade urbana por entre as lianas de faróis ébrios e fumego composições de passados que osculam uma dimensão emocional e a carga inédita de uma carga convencional.  Nos Restauradores, sou uma maré de sorrisos interiores. Na Estação do Rossio, sou um comboio que chega e outro que parte, passageiro, em inversível cor, de um preto e branco que me comove e me adorna com epitáfios de natureza humana. Rumo ao Chiado, descalçado de memórias, subverto os ouvidos da noite e embebedo-me com as saladas musicais que desencantam, ao mar das tormentas, pedaços de alegrias que o rio engole para que as suas águas tonifiquem a liberdade dos pensamentos que alagam a foz dos dissabores. Sombras desfeitas, a realidade é um pavio que se acende ao comboio das fugas, não de Bach, mas dessa claridade que inventa a sobriedade musculada de uma magia contínua. A vida, que a Lua acende, é uma vela que ilumina e um prazo que a Morte fecunda.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 20 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H43 e as 15H50.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - II

Um voo vertiginoso. Abraçou-se às galochas do tempo e, tal como um trapezista sem rede, protegeu os malabarismos de uma execução arriscada e entregou-se às mãos do puto que era quando, na aldeia em que vivia, seguia os carreiros das formigas carregando, com elas, a reserva alimentícia do inverno castigador. Entretinha-se, com laivos de cinismo, a depositar, nos seus caminhos, obstáculos que lhes dificultavam os percursos até às bocas dos seus refúgios. Adorava asfixiar-lhes as bocas e dava pulos de satisfação ao vê-las ensandecidas. Se lhe apetecia fisgava uma e colocava-a sobre a sua palma da mão. Deixava-a correr pelo seu braço e, em um acesso de raiva incontida, dava-lha uma dentada e tomava-lhe o gosto. Não gostava. Cuspi-a e volvia de regresso a casa e ao regaço de seus pais. Que pais! Amavam-se no campo, em casa, a qualquer hora do dia e da noite, sem que nunca lhe tivessem dado a companhia de um irmão. E para que desejara ter um irmão se a cor das borboletas eram alvo especial dos seus olhos e da colecção que conservara, às escondidas, em um esconderijo, no conforto do palheiro. Ah! como delirava espetar-lhes um alfinete no corpo sensível e vê-las debaterem-se pela liberdade perdida. Que belo arco-íris ele coleccionara! A casa era rodeada por uma quinta onde havia de tudo o que a imaginação esculpia. Gostava de caminhar até ao riacho onde tomava gostosos banhos de água gelada. O frio toldava-lhe o discernimento. Vingava-se, atirando pedras aos peixes que por ali cirandavam, quando não apanhava um e o devorava como se fosse triturado pela fome de um lobo esfaimado. Se o dia o torturasse com a preguiça, dormia no palheiro. Acordava à noite, saía de casa por entre os gemidos afogueados dos pais, ia ouvir as rãs e se o temporal lhe abanasse as ideias encostava-se a uma rocha e delirava com o bailado dos relâmpagos e o ritmo acelarado dos trovões. Adormecia quando o sol despontava e sonhava com as trepadeiras do medo. Acordava aflito e desenhava na gravilha a figura dos pais.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, no dia 19 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H13 e as 15H09.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

NAS MALHAS DE UMA ALUCINAÇÃO MENOR - I

Um sorriso tímido à flor dos lábios, passos curtos e nervosos, olhos perdidos no côncavo sibilino de uma vida alheia. Na impressora das suas memórias corre a liturgia clássica de expressões ocas e de conversas básicas, retiradas ao acaso, nos acessos práticos dos passageiros quotidianos. Sob a luz solar, confunde a sua sombra com um perfil estético de si próprio, perdido, no embalar sistemático do seu sistema nervoso central. A sua vida é uma espécie de aspirina que alguns engolem com a precipitação de ambições esporádicas e de embaraços cofrangedores derramados em estilos literários de pouca monta. A eloquência dos seus monólogos entorna contrastes de sabor,logo que embalsamados pela delicadeza de diálogos que mastiga com a seda jovial dos corpos com quem se cruza nas encruzilhadas da vida, amarga e decapitada pelos poros insalubres de uma transpiração mental errática.Pela manhã, veste-se a preceito, consulta o seu corpo de surfista indomável no espelho prismático da sua mansarda ancestral, forrada com uma batina de limoeiros, gasta e felpuda.Gosta de observar as ilhotas melancólicas dos seus olhos de cor camaleónica para testar os ciclos sangrentos da sua imaginação anedótica.Simula esventrar as pupilas com um estilete de ardósia, na ânsia de subverter o anonimato da sua lógica racional. O seu sangue embebeda-o, opaco, e a escuridão é vernácula e faminta; entrega-se, com paixão, à caverna profunda de uma irreverência asmática que o devora com a ansiedade dos vermes vestutos, colhidos nos unguentos da profundidade terrena e lambe, guloso, a seiva sanguínia do seu colestrol melancólico. Gargalhadas choram a opulência dos ferrões que lhe sedimentam a pele estaladiça do seu corpo, entretanto, transformado em Calígula doméstico que o adorna com a esponja linfática de uma apoteose astuta e demencional.Os seus lábios sussurram memórias estaladiças e depenam adereços de um cenário dantesco. Os asfaltos da cidade madura são passadeiras de escombros hediondos que os conflitos da sua idade, imperceptível, transformam em belezas escarninhas de confettis carnavalescos. A sua cidadania é a incógnita que todo o pilantra despreza, em nome de um ritual sardónico. A velocidade do seu carro desportivo é o palco onde as suas emoções espirram as representações alcoólicas do seu pedantismo faminto. Os sinais rubros incendeiam-lhe os sapatos pretos de verniz. A brusquidão é o sintoma das suas evasões e o estigma da espera é o ciclo devorador das sua visões. As pupilas, concentradas no âmago do breu, filmam. Amarrado a uma cadeira de aço, boca vendada, olhos escancarados, observa a nuvem de lacraus que, concentrada sobre os seus cabelos revoltos, chove.Saciam a sua avidez venenosa ao penetrarem, jocosamente, os suores frios do seu corpo paralisado. Estranhamente, nada o move, a não ser o ritmo alucinado do seu olhar perdulário. Instintivamente, o sapato crava-se no acelador e o carro arranca, aflito, perante a visibilidade do verde.Os músculos distendem-se e o corpo afeiçoa-se às paisagens corredoras das margens alucinatórias que cercam os movimentos apaixonados das rodas sobre o asfalto irregular.O seu olhar fixa-se em um ponto abstracto onde a colheita das memórias são cinzas frescas de orgulhos e preconceitos. Acelera, timidamente, revelando uma urgência repentina de se encontrar com o castelo da antiguidade na altivez robusta da serra verdejante. O motor emudece junto à porta que comunica com o passado, as suas passadas, largas e firmes, avançam rumo ao torreão mais alto. O rosto, crispado, encerra no seu mutismo uma ferida reaberta pelo carimbo caótico do seu passado que lhe embeleza a firmeza do seu fragor futurista. De pé, sobre a muralha, visualiza, revitalizado, a profundidade do seu objectivo. Abre os braços e voa, em um voo picado pelas águas memoriais do seu passado. Sequências de claridade por entre os tentáculos da noite que se aproxima, voraz e eterna.           
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H10, as 15H35 do dia 01 de Fevereiro de 2013, as 14H45 do dia 05 de Fevereiro de 2013, as 14H57 do dia 06 de Fevereiro de 2013, as 14H50 do dia 07 de Fevereiro de 2013, as 15H21 do dia 08 de Fevereiro de 2013, as 16H18 do dia 11 de Fevereiro de 2013, as 16H17 do dia 13 de Fevereiro de 2013 e as 14H57 do dia 14 de Fevereiro de 2013. 

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

FUTURO ESSE GRANDE MESTRE DA VIDA

Os olhos vendados de quem espia pelos olhos, usados como serventias da rapina, são a tentação miserável de quem, cobardemente, exulta com a presunção de ser quem não é. A alegria de quem se envolve com os bastidores destes disfuncionais, é o exemplo flagrante de que o ser humano, quando posto à prova, opta, quasi sempre, pela via sedutora da falsidade. Não se trata de uma afirmação leviana, mas de uma realidade concreta que contacto, em cada passo dado, e que, firmemente, a mim se me ofereçe, diariamente. É a tosse convulsa do mistério. Na paisagem da varanda mental, a bitola dos carris divergem, por defeito, da sua sedução verídica, em nome do tempo saqueado e do seu ajuste à realidade de quem os fertiliza com o seu monitor de palavras surripiadas e não com a pureza da boca que as escreve, não por obrigação de qualquer espécie, mas, simplesmente, porque o prazer pessoal se sobrepôe a todo o tipo de mentiras que, infelizmente, proliferam, por aí, como vândalos de mentalidades, tacanhos e mesquinhos, que, em doses de esforços comprados, investem contra os tímpanos e contra os olhos que, ingenuamente, se contorcem de gozo com as lamechas da paródia e da cretinice, revelando a idiotice pegada, a infantilidade e a pulhice escandalosa exercidas sobre quem não se pode defender, por ocultação sistemática dos seus autores. O apoio que recebem é, sem dúvida alguma, pérfido e odioso, por congelarem e manipularem os recheios de composições que são lavradas nos pisos térreos de uma autoria que é, sistematicamente, estropiada e escondida, para que os golpes de mão sejam dados viciados e despuradamente ignorados como se o sabão ignorasse a sujeira que se debate, histericamente, em máquinas de objectivos rançosos. Porém, a igomínia não se fica por aqui como o comprova a sucção frenética de pensamentos originais para, com o maior dos embustes, se transformarem em originalidades, mutiladas e subtraídas à sua real origem, por quem nada fez para os parir e por quem é instrumento de um ilícito punido por lei, caso a verdade sepulte mentiras e a consciência da realidade ignore a leviandade da inconsciência profanadora de um bem autoral que é freneticamente razorado e substituído, sabe-se lá por quem. A língua bifurcada do veneno que se consome como vício castrador será vergada, mais dia menos dia pelo Futuro que é o grande mestre da vida.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H15, as 15H23 do dia 04 de Fevereiro de 2013, as 16H07 do dia 06 de Fevereiro de 2013, as 14H34 do dia 07 de Fevereiro de 2013, as 15H30 do dia 08 de Fevereiro de 2013, as 15H11 do dia 11 de Fevereiro de 2013 e as 14H42 do dia 13 de Fevereiro de 2013.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXVIII - TEMPESTADE SOLITÁRIA

Gomo a gomo,
gota a gota,
o sumo deste corpo urbano
esfarela-se
como folhas de Outono.
A noite da cidade
é a cor do meu olhar,
sombras que me oferecem sorrisos,
sorrisos que são o pranto
da vida que se consome,
do luto que a pele veste,
da ausência que o amor tece
em dobrados de cintura fina.
Passo a passo,
a amplitude da sonolência
abraça a luta do silêncio,
emagrece a morfina do seu brilho
e oferece às carícias dos dedos
a bica do consumo rápido.
Sensível,
o sangue queima o desejo,
busca na fluência do seu estado
o porto da infância
onde as palavras brincam
com as células da fecundidade,
com os baloiços da tempestade
que endoidecem o medo
e serenam a coragem
a que um tédio peculiar
se aconchega, fortuito,
por desconhecer que a vida
é um molde de consequências avaras.
Dedos erráticos
navegam, digitais,
por dentro das palavras mudas,
rasgando ruídos,
filtrando silêncios,
erguendo, na planície dos calo estéticos,
o edifício caloroso
de uma tempestade solitária.
Nela, perco os sentidos
das grades que bocejam
e dos olhos que esmiuçam
a grandeza das suas minúcias,
o espectro agudo
da constelação infinita,
essa longevidade irreal
de nascer e morrer
na audácia da verbalização urbana.
Passo a passo,
gota a gota,
sou a doçura da água
e o sal do mar
onde quem sou
serei o que sou.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 01 de Fevereiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 16H24, as 16H00 do dia 04 de Fevereiro de 2013 e as 15H00 do dia 05 de Fevereiro de 2013.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXVII - QUE MORTE SE ESPANTARÁ?

Que vida é esta que arquivo na minha memória
como se ela fosse um besouro
que se ouve na estridência do hálito urbano?
Recordo o que não vejo
e esqueço o que sinto
na virulência deste pedaço de carne humana
como se fosse um grito de silêncio
ou um eco de porcelana
no hábito de uma fome ancestral.
A resistência ao acto de sangrar palavras
é esta cinza que me respira todo
é esta sombra nocturna
que vagueia elástica
entre o fogo que a astúcia consome
e o gelo que a definha
para além de todos os mistérios
que a janela aberta do tempo
segreda
como se fossem o isco dos pensamentos
que em vagas de sangue sensível
rasgam a plasticina do passo frágil
e modelam o riso vital das noites inesperadas.
Acordo por dentro
desfaleço por fora
e seguro do abraço quotidiano
piso a rota diária da fábula serena.
Que morte se espantará com a lava edílica do meu fermento? 
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 29 de Janeiro de 2013, entre as 16H19 e as 16H50

1980 - "MR.CLARINET" - BIRTHDAY PARTY

Nick Cave é, nos tempos que correm, um dos apóstolos mais gratificantes da música popular. Interessante é reviver, por momentos, o seu passado sonoro. Esqueçamos os Boys Next Door e naveguemos nas águas profundas dos Birthday Party que se revelaram um dos grupos mais originais da década de oitenta. Esta memória curta, debruça-se sobre um dos seus primeiros 7", para a 4AD. Trata-se de "Mr.Clarinet", de 1980. A voz de Nick Cave é, claramente, a extensão de um fontanário de águas tumultuosas. Os sons da banda, esses são a foice que corta o trigo da inovação. Pese-se a composição em uma balança de memórias e ver-se-á que o seu peso se reflecte na futurologia sonora de Nick Cave. Diz-se que o seu valor é precário, mas em minha opinião, "Mr.Clarinet", é uma sombrinha sonora que seduz os ouvidos atentos de quem se ouve. Ouvir com claridade, é desposar a clarividência da sua singularidade.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 29 de Janeiro de 2013, entre as 15H36 e as 15H54.

ABSURDOS - I

Abram-se as portas do absurdo! Proclame-se a dinâmica do caótico onde o caótico é a frustação de um formigueiro que absolve a gravata dos molhos psicóticos. Sinalize-se, com dados viciados, os prognósticos analfabetos das ventosas digitais. Reclame-se, em outdoors gigantes, o simbolismo austero da poesia prática. Ensaboe-se os computers da biodiversidade com a ginástica polifónica da vírgula verrinosa. Escrevam soluções poluídas com o timbre majestoso do feixe educacional abstracto. Abram alas à futurologia sintética das sínteses programadas em tablets de alta costura para que os sons astrais vocabulizem a geometria assimétrica. Sofram com a ciência aguda das incongruências indomáveis e descreva-se, com golos aritméticos, a paixão do seu rouxinol decadente. As alegrias serão cascalho grosso nas ruelas dos estribilhos conflituosos. Que se danem as aventuras do posfácio e a boatice dos prefácios entalados entre o virtual gorduroso e as condolências dos séquitos obtusos. Forremos os vitrais dos olhares oblíquos com as folhas ridículas de um apogeu missionário e, sobretudo, aspirem os aromas camuflados das estantes imortais. O absurdo é o instantâneo fotográfico da soma que o quadrado belicoso desintrega para que a vastidão da insensatez seja um produto informático de viroses apoteóticas. O absurdo, este absurdo, é um par ambivalente de lentes progressivas.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 29 de Janeiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H47 e as 15H22.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

DIÁRIOS - V

O dia já passou do seu meio dia e, eu, que já enganei a meia idade com o avanço da carne madura, pergunto às palavras que cobiço, por onde andam as roupas que despem, ao tempo que desfruto, os solavancos de um comboio que perdeu a noção das estações e a imaginação das colecções humanas que embarcam e desembarcam nos sorrisos das idades passageiras. Disseco a natureza do meu cais e recrio-me, na fonte da vida, com os bisturis que me lavam os pensamentos, seduzindo raciocínios, ao raciocínio, e revelando a realidade insociável da sua frontalidade insaciável. Menosprezo o desprezo e alimento a tempestade gradual do meu descontentamento com as palavras que sirvo ao pequeno-almoço das estâncias pueris. São passeios poéticos nas margens dóceis de uma vida que se vai esgotando por entre os escolhos que uma câmera, sem operador, recolhe aos filtros de  mistérios inúteis. A chama da vida é um simples sopro de uma brisa que se afoita, inocente, por entre os diálogos breves que selam pactos de solidão com as fronteiras da decadência. Desfraldo a morte com bandeiras de vida e sacudo, com acuidade, os solavancos das impertinências inúteis. O dia subleva-se e, eu, que nele me inscrevo, escrevo a docilidade do seu tempêro mecânico. Passo a passo, desdobro os farrapos do leite nocturno. Onde há brancura, há pureza, mesmo que o seu gosto saiba à dureza do lado obscuro da vida. Obscuro, ou não, salivo o dia com a luminosidade solar de uma gargalhada singular.     
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 28 de Janeio de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H42 e as 15H32.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

DIÁRIOS - IV

A noite anoitece e emagrece a obesidade da sua cultura adiposa. O dia acorda e engorda a cultura urbana do seu primitivismo diário. Pergunto à arte baça do meu espelho narcísico por onde andam os reflexos imagísticos que definem os contornos ávidos das idades imaturas e dos acentos circunflexos das Primaveras que, do viço, apenas enxergam o olfacto das usuras. As gargalhadas profanas das bocas mundanas desfilam eclesiásticas pelas baforadas de um cigarro que se esfuma e da insensatez que se fuma por dentro da acidez mórbida. Rastejar é um dom, sucumbir é perspicácia e lavar a alma no óleo dos fritos é o frenesim festivo da inépcia pura. São os umbigos que, entre persianas, compôem o fado lusitano com uma orquestra de finados. Afinam-se gargantas, mascaram-se imprudências e difundem-se calosidades neste império de imperadores minorcas. Passo a passo, percorro as ruas da vida, da minha e a dos outros que se estendem sobre o ácido das peneiras. O dia é um parasita no riso esquelético de um gavião. Voa por fora e esconde-se mal o vento lhe corta as asas. Tudo o que passa, tudo o que mexe são sombras que o dia arrefece e que os adamastores da morte lenta proclamam como bastiões de lapidações doiradas. Nos carris das chamas virtuais osculam-se celulares com garrafinhas de digitalizações que divulgam cenas que esses olhos infantis de raízes pragmáticas atropelam, sem pestanejar, bué de amores entregues às volúpias de uma sangria falsamente emocional. São sentimentos de luxúrias desbragadas e fantasias de remendos ambientais. O dia é uma circulação de vícios, vícios que a noite conhece, brochuras que o dia inventa. Eis como se fecha o livro do dia: sem páginas, sem epílogos, só com o prefácio de um monólogo de um vaqueiro vicentino. Urbi et orbi.    
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 25 de Janeiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H07 e as 14H52

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

CRITICARTE - XIX - "A ESTRADA"

Com o nascimento dos tablets, o acesso à leitura de obras, em prosa e em poesia, transformou-se, para o bem e para o mal, em um microcosmos de cultos. Fácil de transportar e de manusear. E o livro, em papel, qual o seu destino? Acaba, ou será ele que, no futuro se transformará em objecto de culto? Eu, por exemplo, nunca abdicarei dele. O grafismo, o cheiro, o virar das páginas, o prazer de os conservar acessíveis em qualquer estante são razões mais que sufecientes para não os abandonar à sua sorte. Todo este arrazoado vem a propósito do livro que escolhi para partilhar  com quem ler este post "Estrada", de Comarc Maccarthy. A estrutura do livro segue, página a página, como se o leitor caminhasse, lado a lado, com os personagens do livro que se resumem a um pai e um filho na sua longa saga pela sobrevivência. O fôlego da sua leitura vai aumentando com os prazeres da descoberta do amor paternal e filial. A escrita que Comarc nos oferece é objectiva, clara e emotiva. O enredo é simples, mas a teia que o autor nos oferece mantém-nos cativos, impele-nos, quasi sem darmos por isso, à busca compulsiva do seu final que, diga-se de passagem, me emocionou, profundamente. No fundo, bem lá no fundo, todos os leitores compreenderão que, no interior de cada um de nós, há uma espécie de estrada, muitas vezes labirintica, que se faz caminhando por ela, sofrendo ou sorrindo, até ao último passo. Acompanhem Comarc na sua "Estrada" e descubram os atalhos que o amor tece. Boa leitura.     
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 24 de Janeiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H08 e as 15H46.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A BORDO DO MUSTANG

São onze da matina. Acabei de tomar um banho à Macua. Estou nu no meio da sala e o meu corpo contorce-se sob os sons do grupo Haim. Esmero-me no aquecimento fortuito do meu regalo diário. O telemóvel toca e, eu, atendo, sorrindo à voz que me saúda, inundada pelas suavidades das suas modulações ternurentas:
- Olá amor, subo ou desces, sol doirado da minha alma.
- Desço já, donzela da eternidade. É só o tempo de me vestir.
Vesti-me, sem pressa. Umas cuecas violetas, uma camisa plasmada com cores floridas, calças à boca de sino e umas botinas com primeiro andar. Com os dedos revoltei os meus cabelos doirados e espalhei pelo pescoço umas gotas de Boss. Desci com as chaves do meu belo Mustang na mão. Abraçámo-nos e beijámo-nos como já não nos víssemos desde as rimas de um poema, longo e disperso, pelo correio das viagens. Entrámos no Mustang, liguei o motor e, ao ouvir o seu relincho, sorri, abençoado pela vastidão das pradarias que me invadiram o olhar. O telemóvel da Ana relinchou e, eu, aproveitei para ligar o taxímetro das ideias, enquanto me entrava pelos ouvidos a voz de Ana a falar de uma sua exposição - era pintora e escultora - numa galeria, pomposamente chamada, "O Pincel do Pastel". O cavalo, em um galope desenfreado, escapava das palavras que me banhavam as areias movediças de uma espiral que sucumbia nos refrescos que embolavam aos escrutíneos das minhas projecções cósmicas as paixões pela velocidade e pelo fervor da liquidez juvenil. Os sons que brotavam do CD esmagavam a atmosfera interior do Mustang e, sem palavras trocadas, mas por entre carícias, sofregamente esbanjadas, o cavalo, a galope, atingiu os caminhos arborizados da serra de Sintra. Desliguei o CD e, em silêncio, quebrado pelo rugir do vento, adoçámos os nossos pensamentos untados com o ardor dos nossos gestos, ceifámos angústias e pesadelos, e ascendemos ao paraíso da maçã mordiscada pela ternura da nossa vitalidade jovem. Peças de roupa voaram e, sem pudores que listassem os nossos desejos, entregámo-nos a essa jura sexual de sentimentos que criam e desenvolvem as expressões mais belas de corpos bailando entre a sua sedução e os queixumes pachorrentos de um Mustang que testemunhava as acelarações de protões em busca das suas partículas divinas. Selado o choque supremo, rimo-nos e cantámos para as árvores que, fascinadas, observavam, com espanto, a diálise de um amor poroso. Com a fome à deriva nos nossos corpos, liguei-me ao Mustang e cavalgámos direitos ao primeiro restaurante que nos apareceu pela frente. Só o amor nos revela a cor única do tempo mais meigo. O amor e o Mustang.         
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 23 de Janeiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H32 e as 15H38

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXVI - CORPO ETÉREO

Na pastagem idílica do teu olhar infinito
há um rebanho de candeeiros nervosos.
Iluminam a árvore frondosa dos amantes
que florescem no dique das palavras secas,
esse descritor de páginas acesas
pelo lastro do fogo que te fecunda o amor
que em teu peito florido recolhes
sob o Pégaso de uma luxúria navegante
que Neptuno amansa e Apolo excita
para que nas veias do teu sangue efémero
corra a lava vesuviana do eterno pensamento
plantando nas pétalas do vigor ternurento
a estrela fulminante do teu corpo etéreo.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, em 22 de Janeiro de 2013, entre as 16H01 e as 16H20.

DIÁRIOS - III

Nestes diários de pássaros diluvianos pergunto à interrogação que me transcreve as edições dos meus estados de alma que lamaçal é este em que, estulticiamente, me escondem nas prateleiras do sabiá. Vá lá saber-se o que eles são...A paciência que me atola os sentidos, desdobra-se em fornadas de tumultos interiores que são de difícil diagnóstico. Não me envaideço por nada deste mundo, onde os pássaros esvoaçam em encantamentos que só um deslumbramento de um voo picado arrefece o ânimo de uma escrita que vai para além do que é um factor normalizado nas gargantas de um digitalismo feroz que afoga em artes de insignificância o prazer de um gosto, limpo de preces inúteis. Se tenho asas, pouco importa. Abraço os desejos da longevidade na superficialidade da distância que tenho que percorrer para que a liberdade que me sustenta o olhar seja a noite lunar que me sossega os tormentos de uma imbecilidade que paira sobre a arte falsa de lábios parasitas. Desgostam-me parêntisis de borras decadentes que, de um modo altivo, se encadeiam com os romanceiros da criolina decadente. Ambiciono o que a ambição não ambiciona. Vagueio, por entre as esterias da solidão, complacente com as raivinhas de um estômago que, sem defesas, absorve os sumos ideais de ser a mestria de uma Humanidade que respira a serenidade de um poente admirável. Voo, pássaro livre, por entre horizontes de fragilidades, endurecidas com o aço da experiência. Construo caracois de células solares e restauro o princípio básico de ser o que o futuro será.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Biblioteca Nacional, 22 de Janeiro de 2013, entre as 14H14 e as 14H45

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

GOMOS DE UMA VIDA - 5º GOMO - ÚLTIMO

A noite é um prazer dócil de se viver, mesmo se nuvens grávidas de silêncio nos enviam as suas dores de parto ao parirem uma chuva miudinha, infantil, de tão fresca no acto de nos enfeitiçar o corpo de andarilhos. Esquadrinhei a praceta com o olhar desprendido de quem nada reconhece. Recolhi a filosofia de nada sentir sentido tudo o que se desprendia do seu cor...po, agora hirto, olhos chamejantos fitos em um horizonte que as pelejas do seu pensamento descortinavam por entre as brumas da sua inocência instável. Relâmpagos faiscaram, cortaram-me a fixidez do olhar que se vestiu de espanto ao deparar com um corpo feminino, nocturno na sua nudez, felino na riqueza escultural do seu caminhar e uns olhos que, de uma intensidade luminosa, pareciam duas estrelas fugidas do cosmos cintilante. Aproximou-se, com a mudez do seu ritmo corporal, daquele estranho que me cativara os sentidos e, com a desenvoltura de uma amante, acariciou-lhe os cabelos rebeldes, aninhou a sua cabeça entre os seus seios entumescidos, beijou-lhe os lábios cerrados e com um abraço forrado de carinho ergueu-o, levando-o para o interior de uma névoa, entretanto, surgida do nada. Um estranho perfume envolveu-me, como que me despindo da vida. A chuva bebeu-me o corpo, a névoa desfez-se e senti uma estranha solidão a embebedar o hálito nocturno. Alfarroba. Onde fica, onde estou? Não sei, talvez, na imaginação invisível de um corpo secreto. A lua cheia, o lago de águas prateadas. Despi-me e, sem tristezas, penetrei, profundo, na melodia serena das suas águas.
Jorge Manuel Brasil Mesquita.
Biblioteca Nacional, 18 de Janeiro de 2013, entre as 14h05 e as 15ho1.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

GOMOS DE UMA VIDA - 4º GOMO

A noite é um fascínio, a vida de uma interrogação é um algarismo sem dicionário. Descobrem-se os seus sinónimos na ravina dos seus conceitos. Os pensamentos que me sangravam o poiso luarento de uma sequência imaginária de cenas insaciáveis foram, rispidamente, decepados pela frescura mórbida de umas gargalhadas que incendiaram a noite com os prazeres de uma festividade ...inédita. A claquete da sua voz suspendeu-as.
- Sou filho do silêncio e da razão, sou o futuro de todas as memórias que vestem este corpo de melancolias inóspitas.
- Que memórias, que tempos as vestem?
- Não sei, desconheço a trivialidade do seu consumo em leitos de perfume. Cada passo que dou é um vestígio lunar que pontifica na natureza do meu refúgio mais solene.
Nada mais disse, refugiou-se entre a solidão de um peso e a atmosfera híbrida do seu convento verbal. Levantei-me. Vagabundei, um pouco, pela praceta. Vasculhei a noite e as cores do seu humanismo solitário. Observei o bailado das nuvens que revelavam no seu passeio discreto alterações atmosféricas que se casariam com o hálito nocturno. Observei-o de vários ângulos. Parecia ter adormecido. No entanto, os seus olhos luziam, parecendo os farois de um temporal na calma suicida de um novelo sufocante. Sentei-me a seu lado. Não se moveu, não deu pela minha presença. A súbita obscuridade que abraçara a noite transformou-o em uma espécie de estátua cujos contornos fustigavam a embalagem da sua vida.
Jorge Manuel Brasil Mesquita.
Biblioteca Nacional, 17 de Janeiro de 2013, entre as 14h36 e as 15h20.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

GOMOS DE UMA VIDA - 3º GOMO

O diálogo da vida pode ser monótono e, a brevidade do seu sumo, o prazer descascado de uma ironia metálica. Decifrar a riqueza de uma monotonia é encontrar nas profundezas de uma alma fictícia o volume da sua essência. Escapei às dúvidas do verbo ser e sentei-me a seu lado. Não se mostrou incomodado. Apagou o seu cigarro e projectou-se nas trevas da sua existência. Enco...lheu-se no banco, os seus olhos pareciam duas fontes de imagens suculentas. A violência do silêncio foi digerida pelas melodias de notas forradas de pranto imaginado.
- A minha infância foi leve e curta. Durou enquanto o riso foi original, enquanto não descobri que o tempo é uma região obscura onde os abraços das suas raízes são labirintos de medo ou de névoas que se aprendem a dissipar com a nudez do ritmo racional. A adolescência foi uma liana na floresta do desconhecido. Criei aparições, inventei imagens de um futuro que se revelou em tranças de mistérios e de promontórios de mar revoltado. Não me recordo da idade adulta.
Endireitou o corpo, imobilizou-se como uma estátua, e, nos seus lábios finos, onde havia frieza, desnovelou-se a cadeia sincopada do cinismo. Olhei para as águas do lago que reflectiam a luz prateada de uma lua cheia que esfaqueara, sem dor, a multiplicidade caótica da noite sórdida. Um mocho piou, um lobo uivou.
Jorge Manuel Brasil Mesquita.
Biblioteca Nacional, 16 de Janeiro de 2013, entre as 14h42 e as 15h25.
s

GOMOS DE UMA VIDA - 2º GOMO

A proximidade raspou no meu olhar um rosto anguloso, chupado pelos cânticos dos pássaros desvairados. O cabelo, negro como as noites mais profundas, espalhava-se revolto e pendia, levemente, sobre a testa, alta e soberana. Os olhos vítreos, presos em algum vestígio memorial, fundiam-se com a longevidade do tempo. A suave cadência dos meus passos não lhe sobressaltaram a... expressão vadia.
- Posso se...ntar-me?
- Para quê?
- Para esventrar o silêncio da noite
- E se fosse parir?
- Talvez seja melhor. O sentido da vida é outro.
- A vida é uma cruz nas migalhas da nossa viagem temporal.
Como um sopro que se esvai nas dobras de uma onda felina a sua voz perdeu-se na escultura da sua densidade emocional. O seu olhar, em reflexos violácios, escapou-se, por breves instantes, para onde as fronteiras são hipnoses imateriais. A distância não me refreou o ímpeto de rasgar o manto esquelético que parecia implantado entre o desejo de penetrar o escudo da vida que, ante mim, floria murcho e o meu instinto de cabra cega.
Jorge Manuel Brasil Mesquita.
Biblioteca Nacional, 15 de Janeiro de 2013, entre as 14h46 e as 15h13.
s