quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

A BORDO DO MUSTANG

São onze da matina. Acabei de tomar um banho à Macua. Estou nu no meio da sala e o meu corpo contorce-se sob os sons do grupo Haim. Esmero-me no aquecimento fortuito do meu regalo diário. O telemóvel toca e, eu, atendo, sorrindo à voz que me saúda, inundada pelas suavidades das suas modulações ternurentas:
- Olá amor, subo ou desces, sol doirado da minha alma.
- Desço já, donzela da eternidade. É só o tempo de me vestir.
Vesti-me, sem pressa. Umas cuecas violetas, uma camisa plasmada com cores floridas, calças à boca de sino e umas botinas com primeiro andar. Com os dedos revoltei os meus cabelos doirados e espalhei pelo pescoço umas gotas de Boss. Desci com as chaves do meu belo Mustang na mão. Abraçámo-nos e beijámo-nos como já não nos víssemos desde as rimas de um poema, longo e disperso, pelo correio das viagens. Entrámos no Mustang, liguei o motor e, ao ouvir o seu relincho, sorri, abençoado pela vastidão das pradarias que me invadiram o olhar. O telemóvel da Ana relinchou e, eu, aproveitei para ligar o taxímetro das ideias, enquanto me entrava pelos ouvidos a voz de Ana a falar de uma sua exposição - era pintora e escultora - numa galeria, pomposamente chamada, "O Pincel do Pastel". O cavalo, em um galope desenfreado, escapava das palavras que me banhavam as areias movediças de uma espiral que sucumbia nos refrescos que embolavam aos escrutíneos das minhas projecções cósmicas as paixões pela velocidade e pelo fervor da liquidez juvenil. Os sons que brotavam do CD esmagavam a atmosfera interior do Mustang e, sem palavras trocadas, mas por entre carícias, sofregamente esbanjadas, o cavalo, a galope, atingiu os caminhos arborizados da serra de Sintra. Desliguei o CD e, em silêncio, quebrado pelo rugir do vento, adoçámos os nossos pensamentos untados com o ardor dos nossos gestos, ceifámos angústias e pesadelos, e ascendemos ao paraíso da maçã mordiscada pela ternura da nossa vitalidade jovem. Peças de roupa voaram e, sem pudores que listassem os nossos desejos, entregámo-nos a essa jura sexual de sentimentos que criam e desenvolvem as expressões mais belas de corpos bailando entre a sua sedução e os queixumes pachorrentos de um Mustang que testemunhava as acelarações de protões em busca das suas partículas divinas. Selado o choque supremo, rimo-nos e cantámos para as árvores que, fascinadas, observavam, com espanto, a diálise de um amor poroso. Com a fome à deriva nos nossos corpos, liguei-me ao Mustang e cavalgámos direitos ao primeiro restaurante que nos apareceu pela frente. Só o amor nos revela a cor única do tempo mais meigo. O amor e o Mustang.         
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, directamente, no blogue, em 23 de Janeiro de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 14H32 e as 15H38