terça-feira, 5 de março de 2013

AFLUENTES POEMÁTICOS - XXX - ANZÓIS

Neste arrastão de peixe algum
a pesca das palavras
são anzóis
corpos dobrados sobre as águas
reflexo de dores exauridas
iscos de sabores campestres
que as humanas hostes
soletram à caverna do tempo
irrisório
cadavérico
sombras que a linha tensa
de uma gargalhada inaudível
transforma em ritos
gritos
lamentações de muros inadiáveis
adiadas que são as preces
orações sem orações
no dilúvio dos peixes cansados
almas que o desejo fustiga
que a morte encanta
nas mãos do pescador
vesúvios de júbilo
danças de canseira
sargos de sorrisos
pargos de lamentos
horas de ociosidades
nos olhos feridos
da vida por viver
soluçam os peixes
lágrimas humanas
na pesca do futuro.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 05 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 15H40 e as 16H04

O SENHOR PINTADINHO DE FRESCO

O Senhor Pintadinho de Fresco é uma aguarela básica no modelo estonteante de um mural urbano. A sua juventude decadente é um anúncio publicitário a que todos os pimpanelas escarlates fazem vista grossa porque o seu traço fino se revela audacioso e, ao mesmo tempo, pernicioso, na estética de um humor trágico-cómico.  A visão futurista do seu papel, na fantasia acrobática do digitalismo fotográfico, baseia-se na composição hermética de uma idiotice lunática, versão agnóstica que um qualquer pigmalião não desdenharia. O Fresco é uma fatalidade que todos aplaudem, uma vinheta que todos carimbam, uma lombada em que todos reconhecem a beleza automática de um figurino maningue crepuscular.  O cenário burlesco das suas parabólicas demencionais é uma página cromática na orla costeira de uma banda desenhada onde as tiras dos seus episódios basculantes  são relevos emocionais que as bacantes baconianas rejeitariam ao pressentirem, nos seus discursos diretos, as aleivosias dos caroços cuspidos. O Senhor Fresco é uma apoplexia ambulante, é um fracasso do sucesso que todos lambem com a tinta da paranóia mirabolante. Adoram-no quando passa, varrem-no para os confins da ignorância logo que o seu estado é abúlico e tendencialmente prevertido. O Fresco é um gelado no fogo da noite e um marginal nas garras de um monte velho. Pode ser um espanto logo que a língua se solta, mas equivoca-se ao embater nos punhos absurdos da compreensão que, a pastel, argumentam bué de calafrios, em que o auge das suas cenas são vagas teatrais de uma comédia brejeira. O Senhor Fresco gosta de se pôr ao fresco mal se apercebe de que as contingências da vida são apóstolos acariciadores de vernáculo que nem judas se atreveria a desdentar. Há quem desconheça o Senhor Pintadinho de Fresco, mas o tempo que por ele passa reconhece-o em cada pincelada que o moralista do mural o desmoraliza. O Fresco, de fresco não tem nada, a não ser  o resumo itálico do seu pavoneamento colorido.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 05 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 13H29 e as 14H34.

FRICÇÕES - IX - O ESTADO

Perguntar não faz mal e a pergunta que se segue considero-a pertinente. Quando o país atingir os picos dos juros a pagar aos seus credores, quando tiver privatizado tudo o que havia para privatizar, não recebendo o Governo os montantes que ainda vai recebendo por comparticipação estatal,  quando atingir o pico da taxa do desemprego com reflexos na receita para a Segurança Social e a prometida redução da despesa com o Estado, aonde é que o Governo vai buscar as receitas necessárias ao cumprimento da redução do défice nos próximos três anos?  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito e postado, diretamente, no blogue, em 05 de Março de 2013, na Biblioteca Nacional, entre as 12H50 e as 13H11