segunda-feira, 7 de maio de 2012

AFLUENTES POEMÁTICOS - III - O SILÊNCIO É DE COURO

Caminho, só, inflexível.
Passos trémulos de ira
na coragem do fusível,
que se funde, que se mira
no espelho da retórica.
No seu discurso afável
balanceia a vaga prece
de que o mundo amável
é um rigor que se esquece
sob a máscara eufórica
de toda a malha que tece
a imagem metafórica.
O silêncio é de couro
e, a arte, o decoro
que a abelha e o besouro
no seu flagrante namoro
espantam a foz caduca.
Triste faro, triste sina
que ao recado assiste
pela pena que assina
esse nada que persiste
no verbo de quem estuca.
Caminho, só, invisível
no acto da pesca risível.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, no dia 07 de Maio de 2012, às 17H45.
Escrito, diretamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 07 de Maio de 2012, às 17H46, e, concluído, às 18H30 do dia 07 de Maio de 2012.

CISCOS DIÁRIOS - 07 DE MAIO DE 2012

Neste dia de aguaceiros fortes, não passo de um pássaro meticuloso rondando as esporas do vento, como se a imperiosa necessidade de beber a vida fosse um espelho onde o meu reflexo - Ícaro despenteado - cortasse as amarras do labirinto por onde escorrem as lágrimas deste Orpheu embebido em chuvas de lágrimas que, embora invisíveis, rolam pelo silêncio do meu dia. A vida é este desespero de estar onde não estou. É um temporal de brisas no caminho empedernido desse porvir que me abraça, delicado como um anjo sem asas, sequioso de me engolir o desprezo pela fragilidade com que o enfrento. Que corpo amará o que amarei entre rugidos de medo e copos de plenitude que, embriagado pela sonolência, beberei aos escolhos de uma urgência infinita? A resposta que pesco, não a pesquei eu, brotou pura como a alegria da fonte que se lança aos braços da inocência. Inocente é este olhar, ferroso o seu lacrimejar. Duas lágrimas que o corpo fere ao destempero da noite, brasas que, no conforto da impaciência, repicam como sinos de urgência. A noite virá e, eu, serei o que os sonhos serão: olhos de Febo, corpo de Hades.  
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Escrito, diretamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 07 de Maio de 2012, às 16H12, e, concluído, no dia 07 de Maio de 2012, às 16H58.

AFLUENTES POEMÁTICOS - II - RETICÊNCIAS MADURAS

Esta é a vaga que me trespassa o instinto
e deposita na areia da indiferença
o cartaz colado em um olhar disperso,
anúncio de reticências maduras,
escultura de parasita involuntário
admirada pelo imobilidade do silêncio,
pelo o ecrã de notícias, paramentado
pelas cores da noite,
vestindo-se de insanidades perfumadas,
despindo, ao olhar da nudez,
a fragilidade do riso que estrumo
ao manto diário da passividade.
Descubro no fóssil do sumo que encubro
viagens ao âmago das memórias,
memória que danifico ao tempo
para, em gargalhadas de ouro,
esculpir as rédeas do destino
que galopam, livres,
em prados de amores traquinas,
em palavras de suor
que escrevem nas raízes do tempo
a ociosidade perfeita da morte espantada.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 07 de Maio de 2012, às 15H13.
Escrito, diretamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 07 de Maio de 2012, às 15H14 e, concluído, no dia 07 de Maio de 2012, às 15H41

SUORES FICCIONISTAS - I - HÁ TRINTA E UM ANOS - I

Estou atrasado para o encontro. Chove torrencialmente. Os relâmpagos cicatrizam o céu e os trovões são a invocação dos espíritos que se ouve no rufar dos tambores mensageiros. Mal consigo ver a estrada. Os farois perdem-se na muralha pluviosa e a iluminação da estrada dança como saltibancos hipnóticos diante dos meus olhos que piscam como pingos de chuva nos ponteiros do relógio. As mãos grudadas ao volante provam a instabilidade do carro, sentem que a ansiedade que me pica os nervos me reduz a capacidade funcional dos sentidos. Estou frenético. Não posso falhar o encontro. Escolho o acelarador. As rodas resvalam, o carro ameaça-me, e sinto, em questão de segundos, que perdi o controlo da vida. Os faróis apontam à ravina que se esconde na berma da estrada. Subitamente, uma árvore sacode-me, violentamente. Sinto o sabor do sangue quente deslizar-me pelo rosto. Perco a sensibilidade das pernas. Nada mais me resta do que a visão de um encontro. Há trinta e um anos.   
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, no dia 30 de Abril de 2012, às 14H46.
Escrito, diretamente, no blogue, no dia 07 de Maio de 2012, às 14H27, e terminado às 14H55 do dia 07 de Maio de 2012, às 14H55