segunda-feira, 18 de junho de 2012

UM PAPEL AMARROTADO

Um papel amarrotado escapulia-se pelo passeio da velha cidade, empurrado pela voz do vento. Um jovem, que seguia em sentido contrário, com um skate debaixo do braço, olhou com indiferença para o papel fugitivo, mas, uma súbita curiosidade, impeliu-o a curvar-se e a apanhar o papel amarrotado. Abriu o papel, mirou-o, desinteressado, vasculhando o verso e o seu reverso e limitou-se a constatar que era, apenas, um simples papel em branco. Preparava-se para o deitar fora, quando, um qualquer segredo, escondido, bem lá do fundo do seu cérebro, intimou-o a conservá-lo, transformando-o numa vulgar bola de papel. Enfiou a mão com a bola de papel no bolso e enquanto deslizava, pelo passeio, no seu skate, ia assobiando uma melodia que nunca ouvira em lado nenhum. Quando chegou a casa, guardou o skate, desdobrou, cuidadosamente, o papel e foi pintando cada um dos seus vincos com as cores das latas de spray que, usualmente, utilizava para ilustrar cada uma das suas criações que se podiam ver em alguns muros da velha cidade, embora reconhecesse que nunca compreendera o seu significado. Porém, sabia que todas elas provinham dos segredos que emanavam dos recantos do seu cérebro universal. Quando terminou a obra que produzira naquele papel amarrotado, sorriu, maravilhado com as imagens que havia criado e, reconhecendo nelas, a melodia que desconhecia, amarrotou de novo o papel e abandonou a sua casa com a ligeireza de uma brisa marítima; regressou ao passeio onde tinha encontrado o papel e lançou-o ao vento. Para seu grande espanto, foi observando a transformação que se ia dando no passeio por onde o papel deslizava ao som da melodia que o vento, igualmente aprendera, sem perceber que as cores que se espalhavam por todo o lado, alteravam a fisionomia da velha cidade. Não tardou que todos os seus habitantes, fascinados pela sedução das cores vibrantes que lhes enchiam os corpos com a juventude do jovem, entoassem com um coro de vozes suaves a melodia que todos aprenderam, sem que ninguém se apercebesse que tudo nascera de um simples papel amarrotado que rolava pelo passeio de uma velha cidade, impulsionado pela voz do vento. Biblioteca de Oeiras, 07/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita - 11H08
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 18 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 16H04.

4 comentários:

  1. Que lindo...esse papel..veio até mim....e..imregnou-me de tintas...ele...o papel.. está bem..aqui...dentro...da..alma....

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  2. Saudações cordiais, Giselle. Obrigado pela visita e pelo comentário. Que o papel amarrotado mantenha colorida as tintas da sua alma. Bjs.

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  3. Que este papel amarrotado seja estrela cadente e toque o coração dos Homens e faça deles intrumentos do AMOR E DA PAZ para numa sonata primaveril poderem proliferar e ser Bola Colorida em mãos de criança.

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  4. Saudações cordiais, Ana Flausino. Grato pela visita e pelo comentário e pela breve referência ao poema de António Gedeão "Pedra Filosofal".

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