segunda-feira, 9 de julho de 2012

DIÁRIOS - I

Saí de casa, bem cedinho, com um caderninho e uma esferográfica na mão. Caminhava indiferente ao tempo chuvoso, enquanto ia cantarolando qualquer coisa imperceptível para enganar todos os pensamentos que me aprisionavam. Entrei num café, sentei-me numa mesa junto da janela e pedi um garrafa de água natural, sem gás. Assim que a depositaram na mesa, bebi uns quantos goles e, depois, abri o caderninho, e, de esferográfica em punho, fui escrevendo, ao acaso, uma cachoeira de palavras até que fui invadido pelo fastio. Fechei o caderninho, cruzei os braços sobre o peito e fechei os olhos, fingindo que dormitava. Desconheço o tempo que passou. Abri o caderninho e tentei descobrir no emaranhado das palavras escritas um sentido qualquer. Pareciam palavras isentas de honestidade, aprendidas como quem com elas se disfarça com o intuito de cozinhar um rodeo de segredos e de mentiras que rimam com as deontologias da ilusão. Tentei fazer com elas um alfabeto e desenhar, no meu pensamento, uma luz clara que a todos iluminasse o caminho da verdade. Foi uma leitura inútil. Quanto mais olhava para as palavras, mais poeira lançava para o interior de mim mesmo. Não que eu seja cego, mas quando se interlaçam os mistérios e os sons de uma floresta, é quase certo que rebenta uma disfunção cerebral qualquer que não me permite celebrar palavras que se riem de mim com as grossas gargalhadas de pavões que, com os seus leques abertos de cores, ficam óptimas em uma passerelle, onde os supra sumos da sapiência ditam as palavras das insuficiências culturais. As palavras escritas não se resumiam de maneira nenhuma, não explodiam em ideias, foram o reflexo de um dia chuvoso.
Paguei a água, levantei-me e abandonei o café, gastando o resto do dia em passeios ao acaso. Usei-os como um subterfúgio para me esconder de mim próprio. A noite crescia quando regressei a casa, onde, com um pouco de música, adormeci, rastejando pelo mundo envidraçado dos sonhos. E, assim, se passou mais um dia na vida de quem sabe que a vida é um mero segundo de palavras abertas e de sentidos desérticos.

Biblioteca de Oeiras, 09/01/2010 - Jorge Brasil Mesquita - 15H01
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, directamente, no blogue, em 09 de Julho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 16H03. Corrigido, em 10 de Julho de 2012, às 14H43.

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