quinta-feira, 21 de junho de 2012

A TORRE DA VERDADE

Olhei para os ponteiros do relógio, no alto da Torre da Verdade.Não se moviam, nem para um lado, nem para o outro. Simplesmente inamovíveis.
O Sol, uma bola de fogo implacável, escouceava ao acaso. Por precaução, abri o guarda-chuva protector. Tinha a noção exacta do tempo que ia fazer. Tinha a certeza que o Sol ia chover, a qualquer momento. Os fios de luz intensa assemelhavam-se a picadas precisas que atingiam os neurónios com a distinção da morte da vida humana. Atravessei a rua com a lentidão de um camaleão, sem que houvesse simulação de cores. Habituara-me à sede insaciável, bebendo as minhas próprias lágrimas, que paridas de verdade, serviam-me de bússola na passadeira da vida.
Quando a chuva parava, secava o silêncio, e eu ouvia na brisa do vento, a eternidade dos anúncios às vidas breves. Olhei, de novo, para o relógio da Torre sabendo que era um painel, piscando os códigos indicifráveis de cada segundo que fustigava o ritmo do seu colapso. Não me sentia afectado, porque as florestas impenetráveis desta minha razão, rugiam, inconsoláveis, às células da inércia.
Por vezes, permitia que um naco de luz iluminasse recantos que eu próprio desconhecia habitarem na floresta em que me tornei. A floresta representava uma torneira que se fechava, fechando-me a fonte das rotas que podiam abrir as clareiras do conhecimento que me desconhecia.
O espanto apossava-se de mim, ao ver que, ciclicamente, o Sol não forçava a penetração desta floresta, o que produzia em mim uma espécie de frescura que eu abraçava como um amor escondido na noite do infinito.
Todos os dias subia, num estado de embriaguês vivificadora sufocante, ao alto da velha e decrépita urbe que não resistira ao colapso da vida. Deste modo ia gastando as memórias que me restavam e atravessava a minha floresta com todas as imagens que ainda povoavam os povoados que separavam os mistérios dos segredos. Acabavam por ser a fome da minha fome que estava reduzida ao silêncio que tudo consumia. Não havia sombras que me acolhessem em lugar algum. A floresta tornara-se num refúgio interior que eu reconhecia ser inútil, quando todo eu não fosse mais do que um poente irrepetível.
Cansado de ser um guarda-chuva de mim mesmo, deixei que o Sol queimasse cada pedaço da minha floresta e olhei, temerariamente, para aquela luz incandescente, sorrindo, e permiti que cada intimidade do meu corpo escorresse como lava e, sem que uma lágrima me bebesse, juntei-me às cinzas que eram o mar da realidade que se podia observar no relógio fossilizado, no alto da Torre da Verdade.
Costa da Caparica, 16/12/2009
Biblioteca de Oeiras, 22/12/2009 - 14H08
Jorge Brasil Mesquita
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Recriado, em 21 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 13H39.

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