quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

GOMOS DE UMA VIDA - 2º GOMO

A proximidade raspou no meu olhar um rosto anguloso, chupado pelos cânticos dos pássaros desvairados. O cabelo, negro como as noites mais profundas, espalhava-se revolto e pendia, levemente, sobre a testa, alta e soberana. Os olhos vítreos, presos em algum vestígio memorial, fundiam-se com a longevidade do tempo. A suave cadência dos meus passos não lhe sobressaltaram a... expressão vadia.
- Posso se...ntar-me?
- Para quê?
- Para esventrar o silêncio da noite
- E se fosse parir?
- Talvez seja melhor. O sentido da vida é outro.
- A vida é uma cruz nas migalhas da nossa viagem temporal.
Como um sopro que se esvai nas dobras de uma onda felina a sua voz perdeu-se na escultura da sua densidade emocional. O seu olhar, em reflexos violácios, escapou-se, por breves instantes, para onde as fronteiras são hipnoses imateriais. A distância não me refreou o ímpeto de rasgar o manto esquelético que parecia implantado entre o desejo de penetrar o escudo da vida que, ante mim, floria murcho e o meu instinto de cabra cega.
Jorge Manuel Brasil Mesquita.
Biblioteca Nacional, 15 de Janeiro de 2013, entre as 14h46 e as 15h13.
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