Num destes dias, escutei com liberdade, numa mesa pública de um café da selva urbana, uma conversa de uma onça e dos seus amigos.
Começou por dizer que tentara comprar um GPS, mas o orçamento não lho permitia. Porém, conseguiu reunir um grupo de amigos e explicou-lhes o objectivo de tal aquisição. Que não se destinava à sua orientação num qualquer deserto e muito menos para se orientar nas ruas da selva. A sua ambição era outra. Com a ajuda de todos e de uma aparelhagem mais sofisticada, podia penetrar, habilmente, em uma qualquer casa de famosos, espiar-lhes as cenas mais picantes ou escabrosas, conforme os casos, e usá-las, de uma forma delicada, para cobrir as despesas dos tais aparelhos sofisticados. Mas a onça não se ficou por aí. Elaborou um plano e um método, em que podia espiar à vontade os rascunhos de certos jornalistas e, com eles, vender a jornalistas de jornais diferentes, revelações sensacionais, que cada um deles pudesse eventualmente dispor, identificando-se como sendo uma fonte privilegiada. Se as mesma notícias aparecessem em diversos jornais, quem se daria ao trabalho de acorrentar a fonte, perguntou a onça, com um sorriso nos lábios. Mas o sistema não parava por ali. Com estudos laboriosos, escolheria alguns escritores famosos portugueses e copiar-lhes-ia os originais que, rapidamente, espalharia por um mercado ávido de novidades literárias e com a possibilidade de aparecerem com o nome de outro autor. Pelo menos, dizia ele com uma grande dose de ironia, que por este processo nunca seria necessário roubar computadores de um qualquer escritor. Mas, verdadeiramente, o que mais interessava à onça, era poder copiar e manipular os discursos rabiscados dos políticos. Imaginava ele, o gozo que seria um político ir discursar a Condeixa-a-Nova e a população inteira rir-se às gargalhadas com os enganos do político, que é como quem diz, com os efeitos da onça. Afirmou a onça, descaradamente, que por este processo, viveríamos numa Democracia muito mais aberta. E a Justiça, alvitrou um dos amigos? Não me preocupo com a Justiça, porque essa anda meia perdida com as injustiças da Justiça. Garanto-vos que só assim viveríamos numa verdadeira Democracia, onde todos se tornarão em amigos da onça. As gargalhadas foram gerais, perante as doces e compensadoras perspectivas que toda uma selva destas lhes abria.
Mudo e quedo, levantei-me do café e percebi, finalmente, o "1984" de Orwell. Biblioteca de Oeiras, 17/12/2009 - 14H01 - Jorge Brasil Mesquita
Jorge Manuel Brasil MesquitaComeçou por dizer que tentara comprar um GPS, mas o orçamento não lho permitia. Porém, conseguiu reunir um grupo de amigos e explicou-lhes o objectivo de tal aquisição. Que não se destinava à sua orientação num qualquer deserto e muito menos para se orientar nas ruas da selva. A sua ambição era outra. Com a ajuda de todos e de uma aparelhagem mais sofisticada, podia penetrar, habilmente, em uma qualquer casa de famosos, espiar-lhes as cenas mais picantes ou escabrosas, conforme os casos, e usá-las, de uma forma delicada, para cobrir as despesas dos tais aparelhos sofisticados. Mas a onça não se ficou por aí. Elaborou um plano e um método, em que podia espiar à vontade os rascunhos de certos jornalistas e, com eles, vender a jornalistas de jornais diferentes, revelações sensacionais, que cada um deles pudesse eventualmente dispor, identificando-se como sendo uma fonte privilegiada. Se as mesma notícias aparecessem em diversos jornais, quem se daria ao trabalho de acorrentar a fonte, perguntou a onça, com um sorriso nos lábios. Mas o sistema não parava por ali. Com estudos laboriosos, escolheria alguns escritores famosos portugueses e copiar-lhes-ia os originais que, rapidamente, espalharia por um mercado ávido de novidades literárias e com a possibilidade de aparecerem com o nome de outro autor. Pelo menos, dizia ele com uma grande dose de ironia, que por este processo nunca seria necessário roubar computadores de um qualquer escritor. Mas, verdadeiramente, o que mais interessava à onça, era poder copiar e manipular os discursos rabiscados dos políticos. Imaginava ele, o gozo que seria um político ir discursar a Condeixa-a-Nova e a população inteira rir-se às gargalhadas com os enganos do político, que é como quem diz, com os efeitos da onça. Afirmou a onça, descaradamente, que por este processo, viveríamos numa Democracia muito mais aberta. E a Justiça, alvitrou um dos amigos? Não me preocupo com a Justiça, porque essa anda meia perdida com as injustiças da Justiça. Garanto-vos que só assim viveríamos numa verdadeira Democracia, onde todos se tornarão em amigos da onça. As gargalhadas foram gerais, perante as doces e compensadoras perspectivas que toda uma selva destas lhes abria.
Mudo e quedo, levantei-me do café e percebi, finalmente, o "1984" de Orwell. Biblioteca de Oeiras, 17/12/2009 - 14H01 - Jorge Brasil Mesquita
Recriado, em 28 de Junho de 2012, na Biblioteca Nacional, às 17H10.
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