A poeira do tempo é a sobra das memórias. A harmónica é a absolvição da memória e, eu, sou a poeira do seu tempo. O meu olhar vidrado perturbou-se com o aparecimento de uma pequena nuvem cósmica que, esfumada, revelou uma presença feminina e a sua bicicleta colorida. O seu corpo era alto e magro. os seus olhos, a luz do céu. O seu cabelo assemelhava-se ao feno solar, onde se via um rabo de cavalo que transmitia ao seu rosto magro uma jovialidade, fresca e pueril. Vestia umas calças floridas e uma blusa roxa. O seu olhar penetrou, profundamente, no meu e, eu senti, uma espécie de longevidade a aconchegar-se na trivialidade da minha vida. A sua voz melodiosa fez-se ouvir naquele espaço desértico e poeirento:
- Sabes onde fica a Desolation Row, de Dylan?
- Thomas?
- Não, Bob.
- Ah! O da auto-estrada 61?
- Esse mesmo.
Levantei o braço e com o indicador esticado apontei-lhe o caminho do Sul.
- Fica para além do labirintíco Finisterra, entre a Guerra dos Cem Dias e a Guerra das Rosas. Depois assinas o Tratado de Versalhes e obténs o salvo-conduto para a Desolation Row.
-Obrigada.
Dita a informação, colocou, na cabeça, um capacete de cores várias, saltou para cima da bike e perdeu-se na invisibilidade de uma despedida inútil.
Os diabitos rubros com rabinhos dourados vendo a súbita tristeza que pairava no meu olhar, pegaram em mim, colocaram-me em cima dos skates e conduziram-me a caminho do Norte. Levei a harmónica aos lábios e entrelacei a atmosfera com as notas do blues On The Road Again. Com diabos à solta a vida é um prego a fundo. Queimam-se memórias, avivam-se os boatos do Futuro.
Jorge Manuel Brasil Mesquita
Criado, em 26 de Maio de 2012, às 12H59, na Biblioteca Nacional.
Escrito, directamente, no blogue, na Biblioteca Nacional, no dia 26 de Maio de 2012, às 13H00, e, concluído, às 13H35 do dia 26 de Maio de 2012.
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